Questões de Concurso
Para prefeitura de damianópolis - go
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Considere verdadeiras as proposições que formam o seguinte argumento:
• p1: Bruno joga basquete se e somente se não trabalhar aos finais de semana;
• p2: Paulo joga futsal se Bruno também jogar;
• p3: Ou Paulo joga futsal ou Bruno não joga basquete; e,
• p4: Bruno trabalha aos finais de semana.
Logo, pode-se concluir que:
Considere a sequência lógica numérica definida pela seguinte lei de formação:
Assim, para n ∈ ℕ , o sétimo termo dessa sequência é:
Sou todo ouvidos
Passear com um cachorro todas as manhãs pode render ao seu dono preciosas incursões nos mistérios da alma humana. (Ficou bonita esta frase! Parece abertura de TCC. Vou usá-la outra vez). Estabeleci com o Bruno – o vira-lata mais cordial da Serra – algumas rotinas e trajetos com variáveis em função do meu humor matinal e, principalmente, do humor dele. A verdade é que não passeamos com os cães; eles é que nos levam pra rua, puxando-nos por onde bem desejam. No meu caso, construí com o Bruno uma convivência amigável. Ou quase: às vezes discutimos sobre atravessar a rua em determinado ponto; fazer xixi nesta ou naquela árvore ou dar mais uma volta no gramado. Nem sempre venço e geralmente desisto, deixando-o rebocar-me à revelia.
O melhor das manhãs é que vou colhendo pequenos fragmentos, cenas inteiras ou reprises do que escuto na rua. Numa das rotas passo bem cedo por um apartamento térreo onde já estão todos acordados. A dez metros da janela, instalada logo acima do passeio, ouve-se a discussão habitual. Curioso: os moradores daquela unidade habitacional de classe média discutem todas as manhãs. Bruno ergue as orelhas e eu faço o mesmo, bisbilhotando a vida alheia que salta pra rua, em alto e bom som, exibindo-se sem pudores. Aperto o passo, mas é inevitável captar impropérios e troca de acusações. São sempre vozes masculinas. A mais eloquente é a de um homem mais velho. E as outras vozes, deduzo, são de rapazes. Um sermão matinal familiar? O pai de dois boêmios, plantado a madrugada inteira no sofá, fumando e vendo TV, à espera dos dois folgados que sempre chegam bêbados? Ou uma quadrilha de assaltantes batendo boca em torno da divisão de lucros, após uma noite de crimes? A paz não reina naquele apartamento. Um dia ainda estico o pescoço, boto o nariz na janela e decifro este caso que tanto me intriga.
No quarteirão seguinte encontro o Profeta Simpatia. Batizei-o em segredo porque o cara nasceu pra isso. Noto que ele está a caminho do trabalho; tem o modelo de burocrata inofensivo com um terno surrado e uma pasta velha. Entretanto, está realmente em missão divina: salvar as almas incautas que cruzam seu trajeto de manhã – queiram elas ou não, o que complica um pouco, convenhamos. Dirige seu apostolado a gente simples: lavadores de carros, babás com bebês, domésticas voltando da padaria, pedreiros na entrada da obra. Sempre me cumprimenta, fazendo uma pausa nos horrores do inferno e na salvação do rebanho. Reduz o volume de sua voz grave e sorri, voltando às exortações logo que me afasto. Ele sabe que sou um pecador sem cura, jamais desperdiçaria tempo comigo.
Na subida da avenida, quase à mesma hora, cruzo com a Dama do Celular. Lá vem ela muito bem vestida, perfumada, cheia de colares e usando sapatos de salto que ressoam apressados no cimento – toc, toc, toc! Fala altíssimo ao telefone e gesticula, inflamada. Imaginei duas opções: ou é uma executiva atarefadíssima a caminho do escritório, açoitando à distância um exército de empregados incompetentes; ou uma rica provedora do lar dando ordens à babá, chofer, seguranças, jardineiro e talvez até ao marido, aquele inútil que ainda dorme. Mais de uma vez escutei-a repetindo a frase ameaçadora: “Mas tem de ser pra hoje, tá ouvindo, fulano?”
Nem sempre – e por isso felizmente – costumo deparar-me com o Casal Assustado das Oito. Avistam-me e afastam-se imediatamente para o meio da rua, de olho no Bruno, como se eu levasse pela coleira não um animal boa praça, mas um Dragão-de-komodo assassino. Deles escuto pouco. Resmungam qualquer censura, fazem cara feia e depois retornam à calçada. Não sei se o que os amedronta é mesmo o meu cachorro ou se já fomos protagonistas de algum sério entrevero numa encarnação passada.
Passear com um cachorro pode render ao seu dono preciosas incursões nos mistérios da alma humana. (Gostei da frase. Não disse que iria repeti-la?) No meio de barulhos matinais, há silêncios nos olhares perdidos voltados para os ipês da avenida. Ou no breve intervalo entre o sinal abrir e o motorista de trás meter a mão na buzina, violentando a calma da manhã. São silhuetas disfarçadas por vidros escuros. Caras preocupadas, inquietas, mãos a tamborilar nos volantes. Dormiram com seus problemas, tomaram café em companhia deles e seguem juntos para seus destinos. Preocupações corriqueiras: as contas do mês, o resultado daquele exame. A nota baixa do filho, a vida difícil. O amor que se foi ou o que ainda pode vir a ser. As encruzilhadas; as escolhas penosas, o dilema do faço-ou-não-faço. O silêncio é muito mais fácil de se ouvir.
(FABRINI, Fernando. Disponível em: http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/fernando-fabbrini/sou-todo-ouvidos-1.1384729.)
Sou todo ouvidos
Passear com um cachorro todas as manhãs pode render ao seu dono preciosas incursões nos mistérios da alma humana. (Ficou bonita esta frase! Parece abertura de TCC. Vou usá-la outra vez). Estabeleci com o Bruno – o vira-lata mais cordial da Serra – algumas rotinas e trajetos com variáveis em função do meu humor matinal e, principalmente, do humor dele. A verdade é que não passeamos com os cães; eles é que nos levam pra rua, puxando-nos por onde bem desejam. No meu caso, construí com o Bruno uma convivência amigável. Ou quase: às vezes discutimos sobre atravessar a rua em determinado ponto; fazer xixi nesta ou naquela árvore ou dar mais uma volta no gramado. Nem sempre venço e geralmente desisto, deixando-o rebocar-me à revelia.
O melhor das manhãs é que vou colhendo pequenos fragmentos, cenas inteiras ou reprises do que escuto na rua. Numa das rotas passo bem cedo por um apartamento térreo onde já estão todos acordados. A dez metros da janela, instalada logo acima do passeio, ouve-se a discussão habitual. Curioso: os moradores daquela unidade habitacional de classe média discutem todas as manhãs. Bruno ergue as orelhas e eu faço o mesmo, bisbilhotando a vida alheia que salta pra rua, em alto e bom som, exibindo-se sem pudores. Aperto o passo, mas é inevitável captar impropérios e troca de acusações. São sempre vozes masculinas. A mais eloquente é a de um homem mais velho. E as outras vozes, deduzo, são de rapazes. Um sermão matinal familiar? O pai de dois boêmios, plantado a madrugada inteira no sofá, fumando e vendo TV, à espera dos dois folgados que sempre chegam bêbados? Ou uma quadrilha de assaltantes batendo boca em torno da divisão de lucros, após uma noite de crimes? A paz não reina naquele apartamento. Um dia ainda estico o pescoço, boto o nariz na janela e decifro este caso que tanto me intriga.
No quarteirão seguinte encontro o Profeta Simpatia. Batizei-o em segredo porque o cara nasceu pra isso. Noto que ele está a caminho do trabalho; tem o modelo de burocrata inofensivo com um terno surrado e uma pasta velha. Entretanto, está realmente em missão divina: salvar as almas incautas que cruzam seu trajeto de manhã – queiram elas ou não, o que complica um pouco, convenhamos. Dirige seu apostolado a gente simples: lavadores de carros, babás com bebês, domésticas voltando da padaria, pedreiros na entrada da obra. Sempre me cumprimenta, fazendo uma pausa nos horrores do inferno e na salvação do rebanho. Reduz o volume de sua voz grave e sorri, voltando às exortações logo que me afasto. Ele sabe que sou um pecador sem cura, jamais desperdiçaria tempo comigo.
Na subida da avenida, quase à mesma hora, cruzo com a Dama do Celular. Lá vem ela muito bem vestida, perfumada, cheia de colares e usando sapatos de salto que ressoam apressados no cimento – toc, toc, toc! Fala altíssimo ao telefone e gesticula, inflamada. Imaginei duas opções: ou é uma executiva atarefadíssima a caminho do escritório, açoitando à distância um exército de empregados incompetentes; ou uma rica provedora do lar dando ordens à babá, chofer, seguranças, jardineiro e talvez até ao marido, aquele inútil que ainda dorme. Mais de uma vez escutei-a repetindo a frase ameaçadora: “Mas tem de ser pra hoje, tá ouvindo, fulano?”
Nem sempre – e por isso felizmente – costumo deparar-me com o Casal Assustado das Oito. Avistam-me e afastam-se imediatamente para o meio da rua, de olho no Bruno, como se eu levasse pela coleira não um animal boa praça, mas um Dragão-de-komodo assassino. Deles escuto pouco. Resmungam qualquer censura, fazem cara feia e depois retornam à calçada. Não sei se o que os amedronta é mesmo o meu cachorro ou se já fomos protagonistas de algum sério entrevero numa encarnação passada.
Passear com um cachorro pode render ao seu dono preciosas incursões nos mistérios da alma humana. (Gostei da frase. Não disse que iria repeti-la?) No meio de barulhos matinais, há silêncios nos olhares perdidos voltados para os ipês da avenida. Ou no breve intervalo entre o sinal abrir e o motorista de trás meter a mão na buzina, violentando a calma da manhã. São silhuetas disfarçadas por vidros escuros. Caras preocupadas, inquietas, mãos a tamborilar nos volantes. Dormiram com seus problemas, tomaram café em companhia deles e seguem juntos para seus destinos. Preocupações corriqueiras: as contas do mês, o resultado daquele exame. A nota baixa do filho, a vida difícil. O amor que se foi ou o que ainda pode vir a ser. As encruzilhadas; as escolhas penosas, o dilema do faço-ou-não-faço. O silêncio é muito mais fácil de se ouvir.
(FABRINI, Fernando. Disponível em: http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/fernando-fabbrini/sou-todo-ouvidos-1.1384729.)
Sou todo ouvidos
Passear com um cachorro todas as manhãs pode render ao seu dono preciosas incursões nos mistérios da alma humana. (Ficou bonita esta frase! Parece abertura de TCC. Vou usá-la outra vez). Estabeleci com o Bruno – o vira-lata mais cordial da Serra – algumas rotinas e trajetos com variáveis em função do meu humor matinal e, principalmente, do humor dele. A verdade é que não passeamos com os cães; eles é que nos levam pra rua, puxando-nos por onde bem desejam. No meu caso, construí com o Bruno uma convivência amigável. Ou quase: às vezes discutimos sobre atravessar a rua em determinado ponto; fazer xixi nesta ou naquela árvore ou dar mais uma volta no gramado. Nem sempre venço e geralmente desisto, deixando-o rebocar-me à revelia.
O melhor das manhãs é que vou colhendo pequenos fragmentos, cenas inteiras ou reprises do que escuto na rua. Numa das rotas passo bem cedo por um apartamento térreo onde já estão todos acordados. A dez metros da janela, instalada logo acima do passeio, ouve-se a discussão habitual. Curioso: os moradores daquela unidade habitacional de classe média discutem todas as manhãs. Bruno ergue as orelhas e eu faço o mesmo, bisbilhotando a vida alheia que salta pra rua, em alto e bom som, exibindo-se sem pudores. Aperto o passo, mas é inevitável captar impropérios e troca de acusações. São sempre vozes masculinas. A mais eloquente é a de um homem mais velho. E as outras vozes, deduzo, são de rapazes. Um sermão matinal familiar? O pai de dois boêmios, plantado a madrugada inteira no sofá, fumando e vendo TV, à espera dos dois folgados que sempre chegam bêbados? Ou uma quadrilha de assaltantes batendo boca em torno da divisão de lucros, após uma noite de crimes? A paz não reina naquele apartamento. Um dia ainda estico o pescoço, boto o nariz na janela e decifro este caso que tanto me intriga.
No quarteirão seguinte encontro o Profeta Simpatia. Batizei-o em segredo porque o cara nasceu pra isso. Noto que ele está a caminho do trabalho; tem o modelo de burocrata inofensivo com um terno surrado e uma pasta velha. Entretanto, está realmente em missão divina: salvar as almas incautas que cruzam seu trajeto de manhã – queiram elas ou não, o que complica um pouco, convenhamos. Dirige seu apostolado a gente simples: lavadores de carros, babás com bebês, domésticas voltando da padaria, pedreiros na entrada da obra. Sempre me cumprimenta, fazendo uma pausa nos horrores do inferno e na salvação do rebanho. Reduz o volume de sua voz grave e sorri, voltando às exortações logo que me afasto. Ele sabe que sou um pecador sem cura, jamais desperdiçaria tempo comigo.
Na subida da avenida, quase à mesma hora, cruzo com a Dama do Celular. Lá vem ela muito bem vestida, perfumada, cheia de colares e usando sapatos de salto que ressoam apressados no cimento – toc, toc, toc! Fala altíssimo ao telefone e gesticula, inflamada. Imaginei duas opções: ou é uma executiva atarefadíssima a caminho do escritório, açoitando à distância um exército de empregados incompetentes; ou uma rica provedora do lar dando ordens à babá, chofer, seguranças, jardineiro e talvez até ao marido, aquele inútil que ainda dorme. Mais de uma vez escutei-a repetindo a frase ameaçadora: “Mas tem de ser pra hoje, tá ouvindo, fulano?”
Nem sempre – e por isso felizmente – costumo deparar-me com o Casal Assustado das Oito. Avistam-me e afastam-se imediatamente para o meio da rua, de olho no Bruno, como se eu levasse pela coleira não um animal boa praça, mas um Dragão-de-komodo assassino. Deles escuto pouco. Resmungam qualquer censura, fazem cara feia e depois retornam à calçada. Não sei se o que os amedronta é mesmo o meu cachorro ou se já fomos protagonistas de algum sério entrevero numa encarnação passada.
Passear com um cachorro pode render ao seu dono preciosas incursões nos mistérios da alma humana. (Gostei da frase. Não disse que iria repeti-la?) No meio de barulhos matinais, há silêncios nos olhares perdidos voltados para os ipês da avenida. Ou no breve intervalo entre o sinal abrir e o motorista de trás meter a mão na buzina, violentando a calma da manhã. São silhuetas disfarçadas por vidros escuros. Caras preocupadas, inquietas, mãos a tamborilar nos volantes. Dormiram com seus problemas, tomaram café em companhia deles e seguem juntos para seus destinos. Preocupações corriqueiras: as contas do mês, o resultado daquele exame. A nota baixa do filho, a vida difícil. O amor que se foi ou o que ainda pode vir a ser. As encruzilhadas; as escolhas penosas, o dilema do faço-ou-não-faço. O silêncio é muito mais fácil de se ouvir.
(FABRINI, Fernando. Disponível em: http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/fernando-fabbrini/sou-todo-ouvidos-1.1384729.)
Sou todo ouvidos
Passear com um cachorro todas as manhãs pode render ao seu dono preciosas incursões nos mistérios da alma humana. (Ficou bonita esta frase! Parece abertura de TCC. Vou usá-la outra vez). Estabeleci com o Bruno – o vira-lata mais cordial da Serra – algumas rotinas e trajetos com variáveis em função do meu humor matinal e, principalmente, do humor dele. A verdade é que não passeamos com os cães; eles é que nos levam pra rua, puxando-nos por onde bem desejam. No meu caso, construí com o Bruno uma convivência amigável. Ou quase: às vezes discutimos sobre atravessar a rua em determinado ponto; fazer xixi nesta ou naquela árvore ou dar mais uma volta no gramado. Nem sempre venço e geralmente desisto, deixando-o rebocar-me à revelia.
O melhor das manhãs é que vou colhendo pequenos fragmentos, cenas inteiras ou reprises do que escuto na rua. Numa das rotas passo bem cedo por um apartamento térreo onde já estão todos acordados. A dez metros da janela, instalada logo acima do passeio, ouve-se a discussão habitual. Curioso: os moradores daquela unidade habitacional de classe média discutem todas as manhãs. Bruno ergue as orelhas e eu faço o mesmo, bisbilhotando a vida alheia que salta pra rua, em alto e bom som, exibindo-se sem pudores. Aperto o passo, mas é inevitável captar impropérios e troca de acusações. São sempre vozes masculinas. A mais eloquente é a de um homem mais velho. E as outras vozes, deduzo, são de rapazes. Um sermão matinal familiar? O pai de dois boêmios, plantado a madrugada inteira no sofá, fumando e vendo TV, à espera dos dois folgados que sempre chegam bêbados? Ou uma quadrilha de assaltantes batendo boca em torno da divisão de lucros, após uma noite de crimes? A paz não reina naquele apartamento. Um dia ainda estico o pescoço, boto o nariz na janela e decifro este caso que tanto me intriga.
No quarteirão seguinte encontro o Profeta Simpatia. Batizei-o em segredo porque o cara nasceu pra isso. Noto que ele está a caminho do trabalho; tem o modelo de burocrata inofensivo com um terno surrado e uma pasta velha. Entretanto, está realmente em missão divina: salvar as almas incautas que cruzam seu trajeto de manhã – queiram elas ou não, o que complica um pouco, convenhamos. Dirige seu apostolado a gente simples: lavadores de carros, babás com bebês, domésticas voltando da padaria, pedreiros na entrada da obra. Sempre me cumprimenta, fazendo uma pausa nos horrores do inferno e na salvação do rebanho. Reduz o volume de sua voz grave e sorri, voltando às exortações logo que me afasto. Ele sabe que sou um pecador sem cura, jamais desperdiçaria tempo comigo.
Na subida da avenida, quase à mesma hora, cruzo com a Dama do Celular. Lá vem ela muito bem vestida, perfumada, cheia de colares e usando sapatos de salto que ressoam apressados no cimento – toc, toc, toc! Fala altíssimo ao telefone e gesticula, inflamada. Imaginei duas opções: ou é uma executiva atarefadíssima a caminho do escritório, açoitando à distância um exército de empregados incompetentes; ou uma rica provedora do lar dando ordens à babá, chofer, seguranças, jardineiro e talvez até ao marido, aquele inútil que ainda dorme. Mais de uma vez escutei-a repetindo a frase ameaçadora: “Mas tem de ser pra hoje, tá ouvindo, fulano?”
Nem sempre – e por isso felizmente – costumo deparar-me com o Casal Assustado das Oito. Avistam-me e afastam-se imediatamente para o meio da rua, de olho no Bruno, como se eu levasse pela coleira não um animal boa praça, mas um Dragão-de-komodo assassino. Deles escuto pouco. Resmungam qualquer censura, fazem cara feia e depois retornam à calçada. Não sei se o que os amedronta é mesmo o meu cachorro ou se já fomos protagonistas de algum sério entrevero numa encarnação passada.
Passear com um cachorro pode render ao seu dono preciosas incursões nos mistérios da alma humana. (Gostei da frase. Não disse que iria repeti-la?) No meio de barulhos matinais, há silêncios nos olhares perdidos voltados para os ipês da avenida. Ou no breve intervalo entre o sinal abrir e o motorista de trás meter a mão na buzina, violentando a calma da manhã. São silhuetas disfarçadas por vidros escuros. Caras preocupadas, inquietas, mãos a tamborilar nos volantes. Dormiram com seus problemas, tomaram café em companhia deles e seguem juntos para seus destinos. Preocupações corriqueiras: as contas do mês, o resultado daquele exame. A nota baixa do filho, a vida difícil. O amor que se foi ou o que ainda pode vir a ser. As encruzilhadas; as escolhas penosas, o dilema do faço-ou-não-faço. O silêncio é muito mais fácil de se ouvir.
(FABRINI, Fernando. Disponível em: http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/fernando-fabbrini/sou-todo-ouvidos-1.1384729.)
Sou todo ouvidos
Passear com um cachorro todas as manhãs pode render ao seu dono preciosas incursões nos mistérios da alma humana. (Ficou bonita esta frase! Parece abertura de TCC. Vou usá-la outra vez). Estabeleci com o Bruno – o vira-lata mais cordial da Serra – algumas rotinas e trajetos com variáveis em função do meu humor matinal e, principalmente, do humor dele. A verdade é que não passeamos com os cães; eles é que nos levam pra rua, puxando-nos por onde bem desejam. No meu caso, construí com o Bruno uma convivência amigável. Ou quase: às vezes discutimos sobre atravessar a rua em determinado ponto; fazer xixi nesta ou naquela árvore ou dar mais uma volta no gramado. Nem sempre venço e geralmente desisto, deixando-o rebocar-me à revelia.
O melhor das manhãs é que vou colhendo pequenos fragmentos, cenas inteiras ou reprises do que escuto na rua. Numa das rotas passo bem cedo por um apartamento térreo onde já estão todos acordados. A dez metros da janela, instalada logo acima do passeio, ouve-se a discussão habitual. Curioso: os moradores daquela unidade habitacional de classe média discutem todas as manhãs. Bruno ergue as orelhas e eu faço o mesmo, bisbilhotando a vida alheia que salta pra rua, em alto e bom som, exibindo-se sem pudores. Aperto o passo, mas é inevitável captar impropérios e troca de acusações. São sempre vozes masculinas. A mais eloquente é a de um homem mais velho. E as outras vozes, deduzo, são de rapazes. Um sermão matinal familiar? O pai de dois boêmios, plantado a madrugada inteira no sofá, fumando e vendo TV, à espera dos dois folgados que sempre chegam bêbados? Ou uma quadrilha de assaltantes batendo boca em torno da divisão de lucros, após uma noite de crimes? A paz não reina naquele apartamento. Um dia ainda estico o pescoço, boto o nariz na janela e decifro este caso que tanto me intriga.
No quarteirão seguinte encontro o Profeta Simpatia. Batizei-o em segredo porque o cara nasceu pra isso. Noto que ele está a caminho do trabalho; tem o modelo de burocrata inofensivo com um terno surrado e uma pasta velha. Entretanto, está realmente em missão divina: salvar as almas incautas que cruzam seu trajeto de manhã – queiram elas ou não, o que complica um pouco, convenhamos. Dirige seu apostolado a gente simples: lavadores de carros, babás com bebês, domésticas voltando da padaria, pedreiros na entrada da obra. Sempre me cumprimenta, fazendo uma pausa nos horrores do inferno e na salvação do rebanho. Reduz o volume de sua voz grave e sorri, voltando às exortações logo que me afasto. Ele sabe que sou um pecador sem cura, jamais desperdiçaria tempo comigo.
Na subida da avenida, quase à mesma hora, cruzo com a Dama do Celular. Lá vem ela muito bem vestida, perfumada, cheia de colares e usando sapatos de salto que ressoam apressados no cimento – toc, toc, toc! Fala altíssimo ao telefone e gesticula, inflamada. Imaginei duas opções: ou é uma executiva atarefadíssima a caminho do escritório, açoitando à distância um exército de empregados incompetentes; ou uma rica provedora do lar dando ordens à babá, chofer, seguranças, jardineiro e talvez até ao marido, aquele inútil que ainda dorme. Mais de uma vez escutei-a repetindo a frase ameaçadora: “Mas tem de ser pra hoje, tá ouvindo, fulano?”
Nem sempre – e por isso felizmente – costumo deparar-me com o Casal Assustado das Oito. Avistam-me e afastam-se imediatamente para o meio da rua, de olho no Bruno, como se eu levasse pela coleira não um animal boa praça, mas um Dragão-de-komodo assassino. Deles escuto pouco. Resmungam qualquer censura, fazem cara feia e depois retornam à calçada. Não sei se o que os amedronta é mesmo o meu cachorro ou se já fomos protagonistas de algum sério entrevero numa encarnação passada.
Passear com um cachorro pode render ao seu dono preciosas incursões nos mistérios da alma humana. (Gostei da frase. Não disse que iria repeti-la?) No meio de barulhos matinais, há silêncios nos olhares perdidos voltados para os ipês da avenida. Ou no breve intervalo entre o sinal abrir e o motorista de trás meter a mão na buzina, violentando a calma da manhã. São silhuetas disfarçadas por vidros escuros. Caras preocupadas, inquietas, mãos a tamborilar nos volantes. Dormiram com seus problemas, tomaram café em companhia deles e seguem juntos para seus destinos. Preocupações corriqueiras: as contas do mês, o resultado daquele exame. A nota baixa do filho, a vida difícil. O amor que se foi ou o que ainda pode vir a ser. As encruzilhadas; as escolhas penosas, o dilema do faço-ou-não-faço. O silêncio é muito mais fácil de se ouvir.
(FABRINI, Fernando. Disponível em: http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/fernando-fabbrini/sou-todo-ouvidos-1.1384729.)