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Texto 2
O Brasil como problema
Ao longo dos séculos, vimos atribuindo o atraso do Brasil e a penúria dos brasileiros a falsas causas naturais e históricas, umas e outras imutáveis. Entre elas, fala-se dos inconvenientes do clima tropical, ignorando-se suas evidentes vantagens. Acusa-se, também, a mestiçagem, desconhecendo que somos um povo feito do caldeamento de índios com negros e brancos, e que nos mestiços constituíamos e cerne melhor de nosso povo.
Há quem se refira à colonização lusitana, com nostalgia por uma mirífica colonização holandesa. É tolice de gente que, visivelmente, nunca foi ao Suriname. Existe até quem queira atribuir o nosso atraso a uma suposta juvenilidade do povo brasileiro, que ainda estaria na minoridade. Esses idiotas ignoram que somos cento e tantos anos mais velhos que os Estados Unidos. Dizem, também, que nosso território é pobre - uma balela. Repetem, incansáveis, que nossa sociedade tradicional era muito atrasada - outra balela. Produzimos, no período colonial, muito mais riqueza de exportação que a América do Norte e edificamos cidades majestosas como o Rio, a Bahia, Recife, Olinda, Ouro Preto, que eles jamais conheceram.
Trata-se, obviamente, do discurso ideológico de nossas elites. Muita gente boa, porém, em sua inocência, o interioriza e repete. De fato, o único fator causal inegável de nosso atraso é o caráter das classes dominantes brasileiras, que se escondem atrás desse discurso. Não há como negar que a culpa do atraso nos cabe é a nós, os ricos, os brancos, os educados, que impusemos, desde sempre, ao Brasil, a hegemonia de uma elite retrógrada, que só atua em seu próprio benefício.
RIBEIRO, Darci. O Brasil como problema. Brasília: Editora da UnB, 2010. p. 23-24. [Adaptado]
Texto 1
Óbito do autor
Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios.Acresce que chovia - peneirava uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova: - "Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, auqelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é dor crua e má que lhe rói à Natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado."
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido.[...]
ASSIS, Machado de. [1881] Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Globo, 2008. p. 9-10
“Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à Natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado.”
1. Trata-se de um discurso direto, que tem como interlocutores as pessoas presentes no velório e como finalidade homenagear o morto.
2. A expressão “meus senhores” é um vocativo e pode ser deslocada para o início do enunciado, ou para imediatamente após o pronome inicial, mantendo-se isolada por vírgulas.
3. A forma verbal “têm” não poderia estar no singular “tem”, pois estaria ferindo a regra de concordância segundo a qual o verbo deve concordar com seu sujeito.
4. As palavras “sombrio”, “escuras” e “azul” estão empregadas como adjetivos.
5. As duas ocorrências de “tudo isso” fazem remissão anafórica a “Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo”, e funcionam como aposto resumitivo.
Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas corretas.