TEXTO 01
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Armado com um cartãozinho do bispo e um
bilhete particular de Conceição à senhora que administrava o serviço, Chico Bento conseguiu obter
o ambicionado lugar no açude do Tauape.
No bilhete, a moça fazia o possível para
comover a destinatária; e a senhora, apesar de já se ter
habituado a esses pedidos que falavam sempre numa
pobreza extrema e em criancinhas famintas, achou
jeito de desentulhar uma pá, e ela mesma guiou o
vaqueiro aturdido, com seu ferro na mão, e o entregou
ao feitor.
Duramente Chico Bento trabalhou todo o dia
no serviço da barragem.
Só de longe em longe parava para tomar fôlego,
sentindo o pobre peito cansado e os músculos vadios.
E o almoço, ao meio-dia, onde, junto ao pirão,
um naco de carne cheiroso emergia, mal o soergueu
e animou.
Já era tão antiga, tão bem instalada a sua fome,
para fugir assim, diante do primeiro prato de feijão,
da primeira lasca de carne!...
E até lhe amargou o gosto daquela carne,
lembrando-se de que Cordulina, a essa hora, engolia
talvez um triste resto de farinha, e junto dela,
devorada a magra ração, os meninos choravam...
Mas, à tarde, quando sentiu tinir no bolso o
jornal ganho, um novo sentimento o animou.
Tinha finalmente algum dinheiro – só dois
níqueis, é bem verdade! –, mas dinheiro ganho com
seu esforço, com os calangros dos seus braços, e que
o auxiliaria a alimentar a filharada esfomeada...
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