Questões de Português - Artigos para Concurso

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Q1133078 Português

                                        Não o suficiente

                                                                                                               Carla Dias


      Sentado à mesa, cercado por tantos. Entende bem o que acontece ali, mas é experiente em enganar os próprios sentidos, mesmo não gostando dessa qualidade da qual não consegue se livrar. Vale-se dela sempre que a oportunidade se apresenta. É um talento. Um incômodo talento.

      Permanece ali, os braços cruzados, a cabeça levemente inclinada, como se observasse o cenário que se estende além.

      Já conhece as manifestações que se alardeiam, durante esses encontros sociais. Na verdade, compôs uma canção, certa vez, com uma inquietante letra gerada de combinações de algumas delas: não cabe aqui, não serve para isso, não orna com aquilo, não é sua culpa, mas não vai dar certo.

      É bom, só que não o suficiente.

      Não ser o suficiente é meio que o slogan da vida dele, alguém considerado nada suficiente, até mesmo quando transborda. Acostumou-se a ser visto dessa forma.

      A tal canção tomou conta dele. É capaz de cantá-la de trás para frente, formar novos versos, bagunçar as palavras e, ainda assim, elas continuam ridiculamente cruéis. A melodia, não... Nela ele se recusa a mexer. Ela é a única beleza que reina plena nesse baile da saudade que acontece em seu dentro. Há ternura nessa afiada melodia, ela que é a única cria da qual ele não sente vergonha de ter trazido ao mundo.

      Apegou-se a uma frase que escutou um alguém verbalizar, enquanto passava por ele, depois de um dia de inutilidades profissionais. “Equilibrar-se é saber se desequilibrar com elegância.” Achou aquilo de uma sabedoria profunda e profana. De uma dualidade revigorante, porque se considera equilibrado com a boca cheia de palavras engolidas, de mágoas salientes, de lamentos reverberantes. Daqueles que bufa, do nada, assustando a pessoa que dorme sentada ao lado, em alguma sala de espera da vida.

      A elegância do desequilíbrio é o que mantém à mesa. Ninguém ali se importa de fato com ele, ou deseja escutar o que ele tem a dizer. Sabem seu nome, porque saber o nome oferece pompa, na hora de chamar o insignificante para o campo, e que ele batalhe pelos que significam. É como se chamassem um animal de estimação. Ele atende, rasteja-se, servil, até eles. Atende aos desejos desses sujeitos que acham que a própria dignidade mora na indignidade do outro.

      Os nada suficientes.

      Estranhamente, essas pessoas significam para ele. Há algo de aprendizado nessa labuta de dissonantes inseguranças travestidas de hierarquia. Estranhamente, ele se alimenta da espera pelo dia em que, rebelde como jamais antes, ele se levantará e partirá dali, deles. Sumirá das vistas, das teias, das inseguranças desses significantes que não sabem significar sem desidentificar o outro.

      Equilibrar-se ao desequilibrar-se com elegância, para ele, é combater, na singeleza do insignificante, uma diplomacia mimada, das que atendem a todos os clichês abrandadores de mal-estar. Então, quando dão a vez a ele, permitem ao insuficiente se manifestar, ele sorri e se cala, enquanto rumina a ciência de que, sim, ele sabe que não é o suficiente, ao menos não para atender ao catálogo dos desejos impróprios. Porque acha de uma impropriedade sibilante ter de atender aos desejos alheios, enquanto sufoca os próprios. 

      Ele sorri a certeza de que acontecerá o dia em que ele os reconhecerá, os desejos que vem diluindo em vulgares ironias, recebidas assim, embrulhadas em pequenas doses de falseada gentileza. O dia em que os libertará de uma polidez adquirida como proteção e os soltará no mundo, rebeldes e eletrizantes. Livres. 

      E isso será o suficiente. Ele será o suficientemente corajoso para se despedir de seus apaixonantes flagelos. Desequilibradamente equilibrado, dará a vez a si.

Disponível em:<http://www.cronicadodia.com.br/2019/08/nao-o-suficiente-carla-dias.html> . Acesso em: 16 nov. 2019.

Sobre as funções morfológicas das palavras, assinale a alternativa correta.
Alternativas
Ano: 2016 Banca: IBADE Órgão: IABAS Prova: IBADE - 2016 - IABAS - Auxiliar de Saúde Bucal |
Q1125074 Português

Solidariedade: gesto plural


    Eu estava aqui pensando um pouco na expressão da solidariedade, do amor fraternal... Eu gostaria muito de acreditar que as organizações do Terceiro Setor, as ONGs e similares são espaços contemporâneos para esse fim. Não gosto de generalizar, deve haver alguns casos em que isso seja verdade, sempre existiram na história da humanidade, mas penso que na maioria das vezes não é assim.

    Acho que há duas vertentes dignas de nota sobre o tema. Uma é o fato de que é considerado politicamente correto fazer parte dessas organizações e todo mundo quer sair bem na foto. Hoje em dia, quando alguém vai a uma entrevista de emprego ou solicita uma bolsa de estudos, sempre é perguntado se a pessoa trabalha como voluntária. Portanto, esse é um dado entendido como positivo no currículo. Essa talvez seja uma resposta cínica, mas acho que acontece sim, e muito. [...]

    Por outro lado, na segunda vertente, há uma realidade que me impressiona muito. Conto um pouco de minha experiência para exemplificar. Atualmente, há pouco convívio da família estendida, dos primos, entre outros familiares. No entanto, minha família é muito grudada. [...].

    Houve uma época, por exemplo, em que três deles - uma filha e dois sobrinhos - davam aula num curso pré-vestibular comunitário na Rocinha. Não sei detalhes sobre os horários dos outros, mas minha filha, todas as sextas-feiras á noite, durante dois anos, ia dar aula sem ganhar nada, ou melhor, sem remuneração. [...]

    Entre meus outros sobrinhos, há um que fez medicina e, quando se formou, disse que não poderia se considerar médico se não fizesse alguma coisa pelos outros, num lugar que precisasse muito de assistência. Não foi nada fácil viabilizar seu projeto, mas ele acabou indo como voluntário, pelo exército, para a Amazônia. [...]

    Então, acho que existem, sim, histórias muito bonitas de diferentes formas de solidariedade. Estou dando apenas alguns exemplos próximos, mas acho que, atualmente, isso, de alguma forma, substitui a militância partidária que caracterizou a geração anterior, dos pais deles. Todos os meus irmãos tiveram algum tipo de engajamento, participaram do movimento estudantil ou coisa parecida. Hoje, não é mais essa a via de atuação social, mas fomos criados desse modo e criamos nossos filhos assim. [...] No caso das novas gerações, os jovens estão trabalhando pelo outro, pela coletividade, enquanto seus pares estão na balada de sexta-feira à noite - enfim, é mais invisível. Acho que isso é uma expressão genuína de algo que podemos chamar de fraternidade.

Ana Maria Machado e Moacyr Scliar. Amor em texto, amor em contexto - Um diálogo entre escritores. Campinas São Paulo: Papirus 7 Mares, 2009.P.62-66 Fragmento.

Assinale a opção que apresenta as classes gramaticais a que pertencem, respectivamente, as palavras destacadas em “Hoje em dia, quando ALGUÉM vai A uma entrevista de emprego OU solicita uma bolsa de estudos, sempre é perguntado SE a pessoa trabalha como voluntária.".
Alternativas
Q1123590 Português

Universitários em fim de semestre: sobreviventes

Ruth Manus

           Surtados, sem dormir, sem tempo para nada, mas vivos.

       Tá certo que eu sou mais uma dentre uma espécie chamada “professor”, que semi morre todo final de ano. Mas do sofrimento dos professores ninguém duvida. Estamos até um pouco na moda, vira e mexe aparecem posts fofos a nosso respeito, com ursinhos, imagens de pôr do sol e tudo mais.

     Mas, sejamos justos, do drama dos universitários ninguém fala.

    Tento ser durona com meus alunos, mando parar com o mimimi do fim do semestre, mas acabo sempre admitindo, ainda que não conte para eles, que os coitadinhos estão mesmo lascados.

   Eu me lembro bem: segundo ano da faculdade, prova oral de processo civil e previdenciário no mesmo dia. Fatídico dia em que o termo “gastrite” saiu das bulas de remédios e foi parar na minha barriga pela primeira vez.

   Gastrite, torcicolo, enxaqueca, dor nas costas, aftas, espinhas monstruosas. Universitário em época de prova é o sonho de toda farmácia e o pesadelo de todo plano de saúde.

    Homens não fazem a barba, mulheres não depilam a perna. Suspeito, às vezes, que até do banho eles acabem esquecendo. Mas em nome do conhecimento, tá tudo liberado.

     Universitários no fim do ano ficam completamente xaropes. Erram o dia da prova, estudam a matéria errada, vão fazer exame de matéria na qual passaram direito, esquecem caneta, esquecem a mochila, esquecem o nome do professor, quando não esquecem o próprio nome.

    Por alguns dias, essas criaturas chegam ao ponto de passar mais tempo atualizando o portal para tentar verificar as notas (taca-lhe pau no F5) do que no facebook, no whatsapp e no instagram. Juntos.

      E entre novembro e dezembro, quando chego para dar aula antes das 8 da manhã ou ainda estou na faculdade depois das 22 (pois é…), tenho a sensação de estar em um episódio de The Walking Dead. Alunos com aspecto moribundo perambulam pelos corredores como se não houvesse esperança, pensando seriamente em devorar cérebros de professores para ver se facilita na hora da prova.

     E se o aluno estiver precisando de meio pontinho e encontrar o professor na cantina, pode aparecer o Caio Castro, a Ísis Valverde, o Ashton Kutcher ou a Megan Fox, que eles NÃO saem de lá. Oferecem um café, compram sonho de valsa, elogiam a roupa, tudo na maior sinceridade. Como diria Tim Maia, vale tudo.

     E não podemos esquecer da interminável angústia das faltas. “Professor, o sistema está marcando 26 faltas, mas eu juuuuuro que só faltei 3 vezes. Não sei o que houve.”. Clássico. Esses sistemas são mesmo uns canalhas.

      Mas dentre os surtados, o Prêmio Nobel do Surto Acadêmico vai para os que vão defender o TCC. Esses já nem se recordam que existe um negócio chamado “vida”. Passam na frente da banca de jornal e já têm dor de barriga só de pensar na palavra “banca”. O vocabulário se resume a: capa dura, capítulo, rodapé, orientador, espiral e pânico. Não tem água com açúcar, suco de maracujá ou calmante que resolva. O único remédio para essa dor é um composto de 8 letras: a + p + r + o + v + a + d + o.        Mas, falando sério, não é fácil mesmo. Tem que ter muita força de vontade e compromisso. Provas, trabalhos, fichamentos, estágio, emprego, trânsito, ônibus, metrô, chuvaradas no fim da tarde, correria para evitar atrasos, chororô para justificar atrasos. Tem um ou outro fanfarrão, mas a maioria dá duro mesmo.

     Tem conta pra pagar; casa para arrumar; relatório para entregar; filho para cuidar. Desses alunos que têm filho, por sinal, sou fã incondicional.

    Não vou dizer para vocês que quando se formarem melhora. Seria mentira. As responsabilidades crescem em uma proporção bem incompatível com a progressão do salário; as horas de sono não aumentam e ainda tem uma pós, um mestrado e um futuro te esperando.

    Mas posso dizer: vale a pena. Segurem a onda, força na peruca, inspira, respira, não pira. Já já o Natal tá aí. E uma hora o diploma também chega. Talvez vocês já não tenham cabelos, as unhas estejam completamente roídas, as olheiras tenham cor de berinjela e a miopia alcance 8 graus em cada olho, mas acreditem gatinhos, vocês chegam lá. Palavra de quem chegou (com algum cabelo, alguns dentes e alguma sanidade, até que se prove o contrário )

Fonte: http://vida-estilo.estadao.com.br/blogs/ruth-manus/universitarios-em-fim-de-semestre-sobreviventes/

Os termos destacados em “mas acabo sempre admitindo, ainda que não conte para eles, que os coitadinhos estão mesmo lascados.” são classificados, respectivamente, como
Alternativas
Q1113407 Português
Assinale a alternativa em que o artigo definido masculino (o) corresponde a todos os substantivos.
Alternativas
Q1109597 Português

Texto


No Brasil, entre o “pode” e o “não pode”, encontramos um “jeito”, ou seja, uma forma de conciliar todos os interesses, criando uma relação aceitável entre o solicitante, o funcionário-autoridade e a lei universal. Geralmente, isso se dá quando as motivações profundas de ambas as partes são conhecidas; ou imediatamente, quando ambos descobrem um elo em comum banal (torcer pelo mesmo time) ou especial (um amigo comum, uma instituição pela qual ambos passaram ou o fato de se ter nascido na mesma cidade). A verdade é que a invocação da relação pessoal, da regionalidade, do gosto, da religião e de outros fatores externos àquela situação poderá provocar uma resolução satisfatória ou menos injusta. Essa é a forma típica do “jeitinho”. Uma de suas primeiras regras é não usar o argumento igualmente autoritário, o que também pode ocorrer, mas que leva a um reforço da má vontade do funcionário. De fato, quando se deseja utilizar o argumento da autoridade contra o funcionário, o jeitinho é um ato de força que no Brasil é conhecido como o “Sabe com quem está falando?”, em que não se busca uma igualdade simpática ou uma relação contínua com o agente da lei atrás do balcão, mas uma hierarquização inapelável entre o usuário e o atendente. De modo que, diante do “não pode” do funcionário, encontra-se um “não pode do não pode” feito pela invocação do “Sabe com quem você está falando?”. De qualquer modo, um jeito foi dado. “Jeitinho” e “Você sabe com quem está falando?” são os dois polos de uma mesma situação. Um é um modo harmonioso de resolver a disputa; o outro, um modo conflituoso e direto de realizar a mesma coisa. O “jeitinho” tem muito de cantada, de harmonização de interesses opostos, tal como quando uma mulher encontra um homem e ambos, interessados num encontro romântico, devem discutir a forma que o encontro deverá assumir. O “Sabe com quem está falando?”, por seu lado, afirma um estilo em que a autoridade é reafirmada , mas com a indicação de que o sistema é escalonado e não tem uma finalidade muito certa ou precisa. Há sempre outra autoridade, ainda mais alta, a quem se poderá recorrer. E assim as cartas são lançadas.

(DAMATTA, Roberto. O modo de navegação social: a malandragem e o “jeitinho”. O que faz o brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Rocco, 1884. P79-89, (Adaptado) . 

No trecho “A verdade é que a invocação da relação pessoal”, aponta-se uma “verdade” que se propõe inquestionável. Esse sentido é atribuído em função do seguinte recurso linguístico:
Alternativas
Respostas
876: D
877: A
878: A
879: A
880: C