Texto CG1A1-I
Há relações diversas e fundamentais entre o discurso e as
verdades. Ao longo da história, já se acreditou que a verdade
existiria independentemente da linguagem, que nada mais seria,
além de sua mera expressão. Também já se afirmou que as coisas
ditas seriam entraves ou acessos à verdadeira essência dos seres e
fenômenos. Já foi dito ainda que as verdades consistiriam em
construções históricas dos fatos, para as quais o discurso é
decisivo. Mais recentemente, vimos multiplicarem-se as
alegações de que os fatos não existem, de sorte que haveria
apenas versões e interpretações alternativas.
No que se refere às tendências contemporâneas de
conceber as relações entre discurso e verdade, elas são
frequentemente consideradas um movimento libertário, uma vez
que nos permitem desprender-nos de dogmas, ortodoxias e
autoridades exclusivas de pesadas e passadas tradições. Assim,
domínios e instituições que antes nos guiavam, com base em suas
verdades fundamentais e numa quase cega fé que depositávamos
nelas, tornam-se cada vez mais suscetíveis às nossas dúvidas e
críticas. A religião, a política, a mídia e a ciência já não são mais
do mesmo modo consideradas como fontes das quais brotariam a
certeza dos fatos e os devidos caminhos a seguir. Com frequência
e intensidade aparentemente inéditas, a crença e a confiança que
nelas assentávamos passaram a ser ladeadas ou suplantadas por
suspeitas e por ceticismos, por postura crítica e por
emancipações.
Carlos Piovezani, Luzmara Curcino e Vanice Sargentini. O discurso e as verdades: relações entre a fala, os
feitos e os fatos. In: Luzmara Curcino, Vanice Sargentini e Carlos Piovezani. Discurso e (pós)verdade. São
Paulo: Parábola, 2021, p.7-18 (com adaptações).