Texto 1A1-I
Não sei quando começou a necessidade de fazer listas,
mas posso imaginar nosso antepassado mais remoto riscando na
parede da caverna, à luz de uma tocha, signos que indicavam
quanto de alimento havia sido estocado para o inverno que se
aproximava ou, como somos competitivos, a relação entre nomes
de integrantes da tribo e o número de caças abatidas por cada um
deles.
Se formos propor uma hermenêutica acerca do tema,
talvez possamos afirmar que existem dois tipos de listas: as
necessárias e as inúteis. Em muitos casos, dialeticamente, as
necessárias tornam-se inúteis e as inúteis, necessárias. Tomemos
dois exemplos. Todo mês, enumero as coisas que faltam na
despensa de minha casa antes de me dirigir ao supermercado;
essa lista arrolo na categoria das necessárias. Por outro lado, há
pessoas que anotam suas metas para o ano que se inicia: começar
a fazer ginástica, parar de fumar, cortar em definitivo o açúcar,
ser mais solidário, menos intolerante... Essa elenco na categoria
das inúteis.
Feitas as compras, a lista do supermercado, necessária,
torna-se então inútil. A lista contendo nossos desejos de sermos
melhores para nós mesmos e para os outros, embora inútil, pois
dificilmente a cumprimos, converte-se em necessária, porque
estabelece um vínculo com o futuro, e nos projetar é uma forma
de vencer a morte.
Tudo isso para justificar o que se segue. Ninguém me
perguntou, mas resolvi organizar uma lista dos melhores
romances que li em minha vida — escolhi o número vinte, não
por motivos místicos, mas porque talvez, pela amplitude,
alinhave, mais que preferências intelectuais, uma história afetiva
das minhas leituras. Enquadro-a na categoria das listas inúteis,
mas, quem sabe, se consultada, municie discussões, já que toda
escolha é subjetiva e aleatória, ou, na melhor das hipóteses,
suscite curiosidade a respeito de um título ou de um autor.
Ocorresse isso, me daria por satisfeito.
Luiz Ruffato. Meus romances preferidos.
Internet: <brasil.elpais.com> (com adaptações).