Os fantasmas não fumam
Os fantasmas não fumam. Mas não por causa da campanha antitabagista que está na moda. Os fantasmas deixaram
de fumar desde o doloroso acidente ocorrido no seu nevoento mundo.
Era um fantasma que tinha a mania de assistir ao deitar
e ao despertar das moças quando se despiam ou vestiam.
Nuas em pelo, elas não lhe interessavam. Como se vê, tratava-se de um fantasma antiquado.
Ora, uma noite, invisibilizando-se como fazia em tais ocasiões, ele entrou pela primeira vez no quarto de Lurdinha.
E, como vocês felizmente ainda ignoram, não é só para
mim que Lurdinha é irresistível. O destino dela é inspirar amor
à primeira vista, mas amor no duro – não a simples contemplação olhativa com que o fantasma até então se divertira.
Um amor para casar.
Ante essa impossibilidade, a vida do fantasma era um
suspiro só.
Até que um dia recordou ter lido, em um poeta chinês,
que fumar era uma maneira disfarçada de suspirar...
E o nosso fantasma apaixonado fumou tanto, tanto, que
acabou fumando-se a si mesmo.
(Mario Quintana, Da preguiça como método de trabalho, 2013. Adaptado)