Questões de Português - Estrutura das Palavras: Radical, Desinência, Prefixo e Sufixo para Concurso
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Texto
AQUI SOZINHO
Aqui sozinho, nesta calma, toda a história da humanidade e da vida rolam diante de mim. Respiro o ar inaugural do mundo, o perfume das rosas do Éden ainda recendentes de originalidade. A primeira mulher colhe o primeiro botão. Vejo as pirâmides subindo; o rosto da esfinge pela primeira vez iluminado pela lua cheia que sobe no oriente; ouço os gritos dos conquistadores avançando. Observo o matemático inca no orgasmo de criar a mais simples e fantástica invenção humana – o zero. Entro na banheira em Siracusa e percebo, emocionado, meu corpo sofrendo um impulso de baixo para cima igual ao peso do líquido por ele deslocado. Reabro feridas de traições, horrores do poder, rios de sangue correm pela história, justos são condenados, injustos devidamente glorificados. Sinto as frustrações neuróticas de tantos seres ansiosos, e a tentativa de superá-las com o exercício de supostas santidades. Com a emoção a que nenhum sexo se compara, começo, pouco a pouco, a decifrar, numa pedra com uma tríplice inscrição, o que pensaram seres como eu em dias assustadoramente remotos. Acompanho um homem – num desses raros instantes de competência que embelezam e justificam a humanidade – pintando e repintando o teto de uma capela; ouço o som divino que outro tira de um instrumento que ele próprio é incapaz de ouvir. Componho em minha imaginação o retrato de maravilhosas sedutoras, espiãs, cortesãs e barregãs, que possivelmente nem foram tão belas, nem seduziram tanto. Sento e sinto e vejo, numa criação única, pessoal e intensa, porque ninguém materializou nada num teatro, numa televisão, num filme. Estou só com a minha imaginação. E um livro.
(Fernandes, M. JB – 01.02.92)
A seguir, apresenta-se um trecho do artigo “Sociedade, violência e políticas de segurança pública: da intolerância à construção do ato violento”, (Texto 01), escrito pela psicóloga e pesquisadora Márcia Mathias de Miranda, Coordenadora do Espaço de Estudos e Pesquisas das Violências e Criminalidade – EepViC – Machado Sobrinho.
Texto 01
(...)
Para o cientista, a violência é parte intrínseca da vida social e resultante das relações, da comunicação e dos conflitos de poder. O fato que reforça este argumento é o de nunca ter existido uma sociedade sem violência. A violência, conceitualmente, é um processo social diferente do crime (...). Ela é anterior ao crime e não é codificada no Código Penal.
Trata-se de um fenômeno que não pode ser separado da condição humana e nem tratado fora da sociedade - a sociedade produz a violência em sua especificidade e em sua particularidade histórica. Há, na sociedade e no processo dinâmico que ela envolve, modificações na construção dos objetos sociais que são, muitas vezes, expressos como um problema social. Bater nos filhos, como um bom exemplo a ser citado, já foi uma estratégia para educá-los.
A violência se presentifica até entre as expectativas do processo civilizatório que são, por sua vez, as de criação de indivíduos socialmente “adestrados” a partir do controle e da repressão dos impulsos internos a favor de uma convivência coletiva possível. O entendimento do processo de civilização deixa claro o quanto este processo é, em si, um processo violento. Segundo Freud o processo de civilização é o que responde pela “condição humana” (com o indivíduo deixando de necessitar e passando a desejar) e, segundo este autor, não é possível acabar com os conflitos violentos, uma vez que eles são intrínsecos ao homem – participam de sua constituição. Há, segundo esta compreensão, uma impossibilidade de normatização para se incidir sobre a condição psicológica e acabar com a violência – a violência é tida como o epifenômeno da condição humana.
A violência para Freud circula no campo do sujeito (e não no campo do outro). O que nos interessa tomar como contribuição deste autor, entretanto, é o fato discutido por ele de que a violência estará sempre presente no campo social e histórico (por fazer parte da constituição humana). Este pressuposto tira-nos a ingenuidade de que é possível exterminar a violência das relações sociais e nos remete a uma racionalidade com relação a esta problemática. A compreensão da violência por meio desta perspectiva se opõe ao pânico e ao horror de uma “nova” condição existencial – a de pertencimento a uma sociedade atual completamente perdida, agressiva e perigosa.
A violência é, de fato, algo indelével da experiência humana; o que não significa banalizá-la e favorecer uma “naturalização” deste ato, mas sim questionar todo exagero e intolerância destinados a ela, sustentados pelo quadro de medo da violência no qual a sociedade atualmente se encontra.
(...)
(MIRANDA, Márcia Mathias de. SOCIEDADE, VIOLÊNCIA E POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA: DA INTOLERÂNCIA À CONSTRUÇÃO DO
ATO VIOLENTO. http://www.machadosobrinho.com.br. Acesso: 15.2.2017).
Texto I
Demasiadamente
(Eneida Costa de Morais)
Quem conta um conto, acrescenta um ponto, diz o ditado. No caso presente não precisaremos acrescentar nada, tantos os pontos existentes: Aníbal Vicente foi preso porque é marido de cinco mulheres e noivo de mais de uma dezena de jovens.
Buscar, no retrato que os jornais estamparam, as razões desse tão grande prestigio de Vicente, é tolice: homem feio - muito feio, mesmo - o D. Juan magro, de rosto marcado pelas bexigas ou espinhas, nada oferece para que possamos imaginá-lo usando luares em declarações de amor, ou dizendo de maneira pessoal e pessoal encantamento, as sempre novas palavras que prenderam nossos tataravôs, avós, pais e a nós mesmos.
O caso aconteceu em S. Paulo, se bem que todo o Brasil esteja envolvido na ação amorosa de Aníbal. Cinquenta anos de idade, sem residência fixa - mudava muito de casa -, o herói do “conto do noivado” casava para lesar suas vítimas. Seu método mais usado era simples: entabulava namoro através de correspondência sentimental de revistas especializadas no assunto. “Homem só, profundamente só, com uma enorme riqueza sentimental, conhecendo todas as palavras de amor, sabendo empregá-las no momento preciso, capaz de emocionar-se com a lua cheia, usando ternura, sempre ternura para com aquela que amar, precisa encontrar senhora só”, etc., etc. O anúncio devia ser assim e, por ele, Aníbal ia colhendo as respostas, analisando-as, conhecendo mulheres antes de encontrá-las pessoalmente, mandando para esta carta, para a outra telegrama, até o final: encontro, casamento.
Assinava “Ouro Branco”, pois era de ouro que precisava Aníbal. Muito ouro para bem viver, bem comer, andar e dar golpes em outras românticas incautas.
A sede de amar e ser amada é tão grande nas mulheres que Aníbal continuaria seus trabalhos até o fim da vida, não fosse o ciúme de uma das esposas enganadas. A mais sofredora de todas, talvez, porque a que mais amasse, levou-o à polícia, e à prisão. [...]
A prisão se deu sem que o amoroso ladrão pressentisse. Estava calmamente à porta de uma casa, esperando a chegada de uma de suas noivas, a destinada futura esposa. Preso, sobre ele caiu o ódio de cento e cinco mulheres enganadas; esqueceram que a culpa não era apenas dele, esqueceram que atendendo ao apelo de Aníbal Vicente eram também culpadas. O homem está preso e uma centena de mulheres ficou sem noivo e sem esposo.
Casou muito, amou demais, eis a definição de Aníbal; naturalmente a Justiça acrescentará: roubou muito. Mas ninguém poderá negar a Vicente o título de criador de uma nova forma do conto-do-vigário: o ‘conto do amor”, o “conto do noivado” e do “casamento”, o “conto sentimental”.
Aqui para nós, digam, Vicente, mesmo roubando suas enamoradas, não lhes terá dado alguma felicidade?
Texto 2 – Comunicação Política na Suíça
Os cidadãos suíços são convocados a se pronunciar periodicamente, de quatro a cinco vezes por ano aproximadamente, sobre um total de quinze temas da atualidade política. Além de cada uma dessas votações populares, os cidadãos são convidados a dar suas opiniões (votando simplesmente sim ou não) sobre três ou quatro problemas de interesse nacional, aos quais se acrescentam alguns tópicos especiais dos cantões e das comunas. Esse sistema repousa sobre a iniciativa popular e sobre o referendum, que permitem a uma minoria, respectivamente 100.000 cidadãos, no caso da iniciativa popular, e 50.000, no caso do referendum, obrigar o conjunto do país a se interessar sobre o que a preocupa. (Argumentação, Hermès. Paris: CNRS Edições. 2011, p. 58)
O sufixo “-eiro”, presente em “jornaleiro” tem um significado. Assinale a alternativa em que esse sufixo tenha um valor DIFERENTE do que se observa em “jornaleiro”.
Aposentadoria feliz: idosos criam repúblicas para viver entre amigos
A amizade de Victor Gomes e Cruz Roldán tem 46 anos. Conheceram-se em uma excursão na Serra Nevada, na Espanha, com um grupo de caminhada. “Mas era mais do que isso, era um grupo de estilo de vida”, relembra Roldán, hoje com 79 anos. Quando estavam com meio século de vida, perguntaram-se: “por que não nos vemos envelhecer?". Quinze anos depois, moram com suas respectivas esposas em Convivir, uma república autogerida na cidade espanhola de Cuenca. Dezenas de amigos e familiares se entusiasmaram quando os dois casais de amigos propuseram a ideia de viver juntos, e hoje são 87 sócios que se identificam com o lema “dar vida à idade”.
O condomínio conta com todos os serviços de um asilo para idosos tradicional. “Mas não ficamos sentados o dia todo em uma cadeira entre desconhecidos” , explicou um dos amigos. Compartilham tarefas, mantêm-se ativos, mas conservam sua independência.
A velhice chega mais tarde hoje, mas pensa-se nela desde cedo. Os mais velhos atualmente - especialmente europeus e japoneses - vivem mais e não querem passar a última fase da vida entre desconhecidos ou “ser uma carga para os filhos”. É o que demonstra um estudo de 2015, realizado pelo ministério da Saúde espanhol, no qual mais da metade dos pesquisados acha pouco provável viver em um asilo, enquanto quatro em cada dez veem como alternativa o cohousing. São moradias criadas e administradas pelos próprios idosos, que decidem entre amigos como e onde querem viver sua aposentadoria. Os apartamentos pertencem a uma cooperativa, mas podem ser deixados de herança para os filhos. Na Espanha, há oito projetos construídos e vários em gestação.
[...] A idade media é de 70 anos, mas respira-se um ambiente juvenil. [...]
Todas as residências de cohousing devem cumprir os requisitos de um ambiente tradicional para idosos: banheiros geriátricos, móveis sem quinas, botões de emergência em todos os quartos, entre outras coisas.
Diferentemente da situação em Convivir, onde todos que querem um apartamento devem ter um conhecido e ser sócio, em Trabensol a oferta é para o público em geral. Entretanto, ainda custa caro viver em uma república para idosos. [...]
Das experiências espanholas, os defensores concordam que os interessados se aproximam mais dos 50 que dos 70 anos. Nemesio Rasillo, um dos fundadores da residência Brisa Del Cantábrico, onde a idade média é de 63 anos, atribui isso a que “os mais idosos passam ao cuidado familiar”. Mas há muitos adultos que ainda não se aposentaram e já têm claro que não querem ser “uma carga para seus filhos”. Nesta residência, uma das normas é poder haver no máximo 15 pessoas nascidas no mesmo ano, para garantir a variedade geracional. Cada cooperativa tem suas regras, mas uma que se repete em relação à questão da dependência é que desde que um residente se soma ao projeto, parte de seu dinheiro vai para um fundo social. “Assim, quando algum dos colegas precisar de uma assistência especial, dividimos entre todos e não será um gasto expressivo”,explica Roldán.
É a hora da siesta em Cuenca, e “o castelo do século XXI”, como o chamam os moradores de Convivir, parece ter parado no tempo. Ninguém circula pelos longos corredores dos dois andares, as raquetes de pingue-pongue descansam sobre a mesa e o salão de beleza está fechado a chave. É o momento de desfrutar do apartamento que cada um decorou a seu gosto. “Em vez de meu filho se tornar independente, eu é que me tornei”, diz em voz baixa Luis de La Fuente, enquanto fecha a porta de seu novo lar.
Antonia Laborde. (Disponível em: brasil.elpais.com. Acesso em
10jan2017)
Com referência às ideias e aos aspectos linguísticos do texto precedente, julgue o próximo item.
Dois processos morfológicos atuam na formação do advérbio
“infelizmente” (l.10). Dadas as propriedades dos afixos
presentes, verifica-se uma ambiguidade estrutural referente
à ordem de ocorrência desses processos: pode-se
primeiramente adicionar o prefixo in- ao adjetivo feliz,
e, depois o sufixo –mente, ou, ao contrário, pode-se adicionar
primeiro o sufixo e, depois, o prefixo.
Instrução: A questão a seguir está relacionada ao texto abaixo.
Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas dos enunciados abaixo, na ordem em que aparecem.
1. As palavras polidez (l. 6) e delicadeza (l. 6) contêm sufixos que formam substantivos a partir de ........ .
2. As palavras comportamento (l. 8) e civilização (l. 13) contêm sufixos que formam substantivos a partir de ........ .
3. As palavras sentimentalidade (l. 23) e racionalismo (l. 23) contêm sufixos que formam substantivos a partir de ........ .
TEXTO 1
A leitura
Várias vezes, no decorrer do último século, previu-se a morte dos livros e do hábito de ler. O avanço do cinema, da televisão, dos videogames, da internet, tudo isso iria tornar a leitura obsoleta. No Brasil da virada do século XX para o século XXI, o vaticínio até parecia razoável: o sistema de ensino em franco declínio e sua tradição de fracasso na missão de formar leitores, o pouco apreço dado à instrução como valor social fundamental e até dados muito práticos, como a falta e a pobreza de bibliotecas públicas e o alto preço dos exemplares impressos aqui, conspiravam (conspiram, ainda) para que o contingente de brasileiros dados aos livros minguasse de maneira irremediável. Contra todas as perspectivas, porém, vem surgindo uma nova e robusta geração de leitores no país, movida – entre outras iniciativas – por sucessos televisivos, como as séries Harry Potter e Crepúsculo.
Também para os cidadãos mais maduros abriram-se largas portas de entrada à leitura. A autoajuda (e os romances com fortes tintas de autoajuda) é uma delas; os volumes que às vezes caem nas graças do público, como A menina que roubava livros, ou os autores que têm o dom de fisgar o público com suas histórias, são outra. E os títulos dedicados a recuperar a história do Brasil, como 1808, 1822, ou Guia politicamente incorreto da História do Brasil, são uma terceira, e muito acolhedora, dessas portas.
É mais fácil tornar a leitura um hábito, claro, quando ela se inicia na infância. Mas qualquer idade é boa, é favorável para adquirir esse gosto. Basta sentir aquela comichão do prazer, da curiosidade – e então fazer um esforço para não se acomodar a uma zona de conforto, mas seguir adiante e evoluir na leitura.
Bruno Meier. In: Graça Sette et al. Literatura – trilhas e tramas.
Excerto adaptado.
TEXTO I
A busca da felicidade Pesquisas desvendam os mecanismos do prazer e da felicidade. Como esse novo conhecimento pode melhorar sua vida?
(Barbara Axt)
A busca da felicidade é o combustível que move a humanidade – é ela que nos força a estudar, trabalhar, ter fé, construir casas, realizar coisas, juntar dinheiro, gastar dinheiro, fazer amigos, brigar, casar, separar, ter filhos e depois protegê-los. Ela nos convence de que cada uma dessas conquistas é a coisa mais importante do mundo e nos dá disposição para lutar por elas. Mas tudo isso é ilusão. A cada vitória surge uma nova necessidade. Felicidade é uma cenoura pendurada numa vara de pescar amarrada no nosso corpo. Às vezes, com muito esforço, conseguimos dar uma mordidinha. Mas a cenoura continua lá adiante, apetitosa, nos empurrando para a frente. Felicidade é um truque.
(www.super.abril.com.br/cultura/busca-da-felicidade. Acesso: 7.2.14 )
CONSIDERE O TEXTO ABAIXO, PARA RESPONDER À QUESTÃO.
Uma vida no aeroporto
Expulso do Irã e sem visto para ficar na Europa, ele viveu 18 anos no aeroporto Charles de Gaulle
O filme O Terminal (2004), estrelado por Tom Hanks, conta a história de Viktor Navorski, um homem que passa nove meses preso no aeroporto internacional John F. Kennedy depois que seu país, a fictícia Krakozhia, passa por um golpe de estado e deixa de existir. O filme é baseado na história real do apátrida Merham Nasseri, que viveu por 18 anos no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. Depois de participar de manifestações contra o governo do Irã, sua terra natal, e passar quatro meses preso e sendo torturado, Nasseri foi expulso do país. Pediu asilo a várias nações europeias, mas não conseguiu. Em 1988, para evitar sua deportação da Bélgica, ele tomou um voo para Paris – onde disse que seus documentos haviam sido roubados. Sem documentos, ele não poderia ser expulso. Mas também não poderia sair do aeroporto. Ele passou a morar no terminal 1. Sempre acordava às 5h. Nesse horário, quando os banheiros do aeroporto ficavam vazios, aproveitava para fazer higiene pessoal. Para manter as roupas limpas, contava com a solidariedade de funcionários de lojas do aeroporto, que se ofereciam para lavar as peças – e também davam dinheiro para Nasseri se alimentar.
Em 1999, a França deu um passaporte a Nasseri. Mas aconteceu o inesperado: Nasseri se negou a assinar os papeis. Preferiu continuar vivendo no aeroporto. “Nesse momento entendi que ele havia perdido o contato com a realidade”, afirmou na época seu advogado, Christian Bourguet. O apátrida permaneceu no aeroporto até julho de 2006, quando teve um problema de saúde e foi hospitalizado. Em 2007, teve alta do hospital – e desde então vive, como um anônimo, em uma casa de caridade no centro de Paris.
(Superinteressante, maio de 2014, p. 49)
Leia o texto abaixo e responda à questão proposta.
Texto 1:
Passe adiante
Tenho vários DVDs de shows, e houve uma época em que os assistia atenta ou simplesmente deixava rodando como um som ambiente enquanto fazia outras coisas pela casa. Até que os esqueci de vez. Conhecedor do meu acervo, meu irmão outro dia pediu:
– Posso pegar emprestado uns shows aí da tua coleção?
Claro! Ele escolheu quatro e levou com ele. E subitamente me deu uma vontade incontrolável de voltar a assistir aqueles shows.Aqueles quatro, não é estranho?
Logo a vontade passou, mas fiquei com o alerta na cabeça. Me lembrei de uma amiga que uma vez disse que havia comprado um vestido que nunca usara, ele seguia pendurado no guarda-roupa. Um dia ela me mostrou o tal vestido e intimou:
– Pega pra ti, me faz esse favor. Jamais vou usar.
Trouxe-o para casa. Muito tempo depois ela me confidenciou, às gargalhadas, que não havia dormido aquela noite. Passou a ver o vestido com outros olhos. Por que ela não dera uma chance a ele?
Maldita sensação de posse, que faz com que a gente continue apegada ao que deixou de ser relevante. Incluindo relacionamentos.
Uma outra amiga vivia reclamando do namorado, dizia que eles não tinham mais nada em comum e que ela estava pronta para partir para outra. E por que não partia?
– Porque não quero deixá-lo dando sopa por aí.
Como é que é?
Ela não terminava com o cara porque não queria que ele tivesse outra namorada, dizia que não suportaria. Reconhecia a mesquinhez da sua atitude, mas, depois de tantos anos juntos, ela ainda não se sentia preparada para admitir que ele não seria mais dela.
DVDs, roupas, amores: claro que não é tudo a mesma coisa, mas o apego irracional se parece. É a velha e surrada história de só darmos valor àquilo que perdemos. Será que existe solução para essa neura? Atribuir ao nosso egoísmo latente talvez seja simplista demais, porém, não encontro outra justificativa que explique essa necessidade de “ter” o que já nem levamos mais em consideração.
É preciso abrir espaço. Limpar a papelada das gavetas, doar sapatos e bolsas que estão mofando, passar adiante livros que jamais iremos abrir. É uma forma de perder peso e convidar a tão almejada “vida nova” para assumir o posto que lhe é devido. Fácil? Bref. Um pedaço da nossa história vai embora junto. Somos feitos – também – de ingressos de shows, recortes de jornal, fotos de formatura, bilhetes de amor.
Sem falar no medo de não reconhecermos a nós mesmos quando o futuro chegar, de não ter lá na frente emoções tão ricas nos aguardando, de a nostalgia vir a ser mais potente do que a tal “vida nova”.
Qual é a garantia? Um ano para geladeiras,
três anos para carros 0km, cinco anos para
apartamentos. Pra vida, não tem. É se desapegar e
ver no que dá, ou ficar velando para sempre os
cadáveres das vontades que passaram. (MEDEIROS,
Martha. Revista O Globo, 20/05/2012.)