Leia o texto, para responder à questão.
Quando Nancy Pelosi, então presidente da Câmara
norte-americana, estendeu a mão para o ex-presidente
Donald Trump, antes da apresentação do discurso anual do
Estado da União, ele se recusou a apertá-la e virou as costas
de forma grosseira. Ao fim do discurso, Pelosi rasgou a transcrição ostensivamente como se o texto não valesse o papel
em que foi impresso e devesse ser expurgado por completo
dos registros históricos.
Esses dois gestos, infantis e impulsivos, podem ser
considerados insignificantes, mas na verdade foram emblemáticos da maneira como a oposição foi transformada em
algo muito mais profundo – um ódio e uma animosidade reais.
Naturalmente, a gentileza precisa ser uma via de mão
dupla, é difícil ser gentil com aqueles que são abertamente
desdenhosos conosco, ainda que talvez isso seja possível
para os santos. A santidade, entretanto, não é uma qualidade que se costuma encontrar na vida política, e, dessa
forma, não se pode contar com ela para a promoção de um
comportamento decente. Apenas a cultura da tolerância pode
fazer isso.
Lamentavelmente, quanto mais a tolerância é alardeada
como uma grande virtude, ou até mesmo como a maior das
virtudes, menos ela é praticada na vida cotidiana. Se as pessoas fossem tolerantes, não haveria necessidade de exaltá-la.
Na realidade somos assim com os preceitos morais sobre a
tolerância: somos tolerantes, mas odiamos pessoas que não
concordam conosco.
A tolerância requer um devido exercício de falta de sinceridade. Toleramos apenas o que nos causa desagrado, porque não há necessidade de tolerar coisas de que gostamos.
Podemos pensar que alguém que tem uma opinião diferente
da nossa é um canalha, mas não podemos ter uma discussão civilizada com essa pessoa se revelarmos nossa opinião
sincera.
Infelizmente, existe um culto de sinceridade no mundo
moderno de acordo com o qual nada que esteja na mente de
alguém deve ser contido. Porque, se for, vai infectar e acabar
causando uma espécie de septicemia psicológica, que vai entrar em erupção como algo terrível. Nessa escala de valores,
a insinceridade é o pior dos pecados, e não algo muitas vezes
virtuoso e necessário, o óleo que mantém a vida tranquila e
relativamente sem fricção.
Dessa forma, estamos vivendo sob dois imperativos
opostos: o primeiro é ser sempre sincero, e o segundo, ser ao
mesmo tempo tolerante. Só podemos reconciliar esses dois
imperativos se transformarmos a necessidade da tolerância
em seu oposto, isto é, afirmando que opiniões diferentes ou
opostas às nossas são, em si, manifestações de intolerância,
a única coisa que não podemos tolerar. Assim, começando
na tolerância chegamos ao totalitarismo, isto é, ao totalitarismo em nome da tolerância.
(Theodore Dalryme, A novilíngua como língua nativa. Disponível em: <revistaoeste.com<. Acesso em 14.02.2023. Adaptado)