A lembrança de Torre di Venere evoca uma atmosfera desagradável. Torre fica a cerca de quinze
quilômetros de Portoclemente, uma das cidades de veraneio prediletas à margem do mar Tirreno, com uma
colorida avenida à beira-mar repleta de hotéis e lojas, gente bronzeada e uma estrondosa indústria da
diversão. Margeada de pinhos, a praia mantém ao longo de toda a costa a sua cômoda amplidão de areia
fina, portanto não admira que não muito adiante tenha-se aberto uma concorrente mais sossegada.
Torre é.
como destino turístico, uma ramificação do balneário vizinho e já foi um idílio. Mas, como costuma acontecer
com lugares assim, a paz foi há muito obrigada a deslocar-se um trecho mais adiante; o mundo, como se
sabe, busca-a e expulsa-a. Foi assim que Torre, ainda que mais introspectiva e modesta que Portoclemente,
caiu no gosto de italianos e estrangeiros.
Torre ganhou um Grand Hôtel (onde havíamos reservado quartos). Surgiram inúmeras pensões,
luxuosas e mais simples. Em julho, agosto, fervilham berros, brigas, gritos de júbilo de banhistas, cuja pele da nuca se descasca por causa de um sol esturricante. Tal era o aspecto da praia de Torre quando chegamos.
Na noite de nossa chegada ao Grand Hôtel, quando aparecemos para o jantar, fomos guiados até uma
mesa pelo garçom responsável. Não havia nenhuma objeção a fazer a essa mesa, mas nos cativou a vista da
varanda de vidro contígua, que dava para o mar e sobre cujas mesinhas cintilavam lamparinas de abajur
vermelho. Os pequenos se mostraram encantados com essa magnificência, e manifestamos de forma singela
a decisão de que preferíamos fazer a nossa refeição na varanda - uma declaração de ignorância, como restou
claro, pois nos fizeram entender com uma cortesia algo constrangida que aquele aconchegante ambiente era
destinado “aos nossos clientes”. Nossos clientes? Mas isso éramos nós. Não estávamos de passagem ou só
por uma noite. Abrimos mão, de resto, do esclarecimento da diferença entre gente como nós e aquela
clientela, a quem se servia o jantar à luz de lamparinas vermelhas, e jantamos no refeitório, em nossa mesa
de iluminação prosaica - uma refeição bem medíocre, própria do esquema hoteleiro insipido; achamos
depois muito melhor a cozinha da pensione Eleonora, dez passos mais distante da praia. Foi justamente para
lá que nos transferimos, trés ou quatro dias mais tarde.
(MANN, Thomas. Mário e o mágico: uma experiência trágica de viagem Trad José Marcos Macedo. Companhia
ds Letras, edição digital Adaptado)