Texto 10A1-I
A discussão sobre um gênero neutro na linguagem deriva
do uso do gênero gramatical masculino para denotar homens e
mulheres (Todos nessa sala de aula devem entregar o
trabalho.) e do feminino específico (Clarice Lispector é
incluída pela crítica especializada entre os principais autores
brasileiros do século 20.).
Na gramática, o uso do masculino genérico é visto como
gênero não marcado, ou seja, usá-lo não dá a entender que todos
os sujeitos sejam homens ou mulheres — ele é inespecífico. Por
ser algo cotidiano, é difícil pensar nas implicações políticas de
empregar o masculino genérico, mas o tema foi amplamente
discutido por especialistas como uma forma de marcar a
hierarquização de gêneros na sociedade, priorizando o homem e
invisibilizando a mulher. O masculino genérico é chamado,
inclusive, de falso neutro.
Entretanto, essa abordagem não é unânime no campo da
linguística. Para muitos estudiosos, a interpretação sexista do
masculino genérico ignora as origens latinas da língua
portuguesa.
No latim havia três designações: feminina, masculina e
neutra. As formas neutras de adjetivos e substantivos no latim
acabaram absorvidas por palavras de gênero masculino. A única
marcação de gênero no português é o feminino. O neutro estaria,
portanto, junto ao masculino.
O Brasil não é o único país onde a linguagem neutra é
discutida. Alguns setores acadêmicos, instituições de ensino e
ativistas estadunidenses já consideram usar pronome neutro para
se referir a todos, em vez de recorrer à demarcação de gênero
binário.
Especialistas avaliam que a modificação gramatical em
línguas latinas pode ser muito mais complexa e custosa do que no
inglês ou no alemão, em que já está em uso o gênero neutro,
porque as línguas anglo-saxônicas em si já oferecem essa opção.
Segundo especialistas, esse tipo de inovação é mais fácil
de ocorrer no inglês, em que, com exceção daquelas palavras
herdadas do latim, como actor (ator) e actress (atriz), a flexão de
gênero não altera os substantivos e adjetivos. No caso do
português, essa transformação não depende apenas da alteração
de um pronome, porque a flexão de gênero afeta todo o sintagma
nominal. Assim, a flexão de gênero é demarcada pela vogal
temática a ou o (como em pesquisadoras brasileiras) e(ou) por
meio do artigo a ou o (como em a intérprete).
Mesmo com os desafios morfológicos, linguistas afirmam
que não é impossível pensar em proposições mais inclusivas, e
que isso não necessariamente significa que haja uma tentativa de
destruição do português. Segundo explicam esses especialistas, a
história de uma língua sempre conta muito sobre a história de
seus falantes, de modo que as coisas que falamos hoje em dia não
brotaram da terra nem vieram prontas, mas dependem da nossa
história como humanidade. Nesse sentido, as propostas já
existentes seriam os primeiros passos nesse movimento, e não
uma forma final a ser imposta a todos os falantes.
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