Leia o texto de Ruy Castro para responder à questão.
Beijos proibidos
Manier Sael, um imigrante haitiano em São Paulo, por
meio de tocante entrevista ao jornal, contou que, ao chegar
ao Brasil, e ao começar a namorar a brasileira que se tornaria
sua mulher e mãe de sua filha, disse-lhe que tinha um desejo: beijá-la em público, na rua. “No Haiti, isso não existe”, ele
explicou. “É uma coisa que eu nunca tinha visto na vida real,
só na televisão. Ela falou que tudo bem. Como eu me senti
nessa hora [ao beijá-la]? Me senti brasileiro”.
É interessante como, às vezes, precisamos de que alguém de fora venha nos revelar quem somos ou como somos. Haverá coisa mais corriqueira no Brasil do que beijar
em público? Pelo menos, é o que pensamos e – considerando quantas vezes fizemos isso sem o menor problema –
será preciso um exercício intelectual para nos lembrar de que
pode ter havido exceções à regra.
Duas cidades do interior de São Paulo já tiveram juízes
que proibiram beijos em praça pública. E isso não foi no século 19, mas nos anos loucos de 1980 e 1981. Até a proibição ser revogada por ridícula, vários casais foram parar na
cadeia.
Um dos restaurantes mais antigos do Rio, a Adega Flor
de Coimbra, até hoje ostenta na parede um quadro dos velhos tempos: “Proibido beijos ousados”. O quadro continua lá
pelo folclore, claro – mesmo porque, tendo pedido sua farta e
deliciosa feijoada à Souza Pinto, quem pensará em dar
beijos, mesmo ousados?
E uma querida senhora que conheci, ao ver um casal se
beijando na novela da TV, deu um profundo suspiro e, do
alto de seus 90 anos, exclamou, talvez sem se dar conta de
que todos na sala podiam escutá-la: “Eu nunca fui beijada!”.
Ali, naquele momento, todos nos conscientizamos da nossa
tremenda fragilidade.
(www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2019/10/beijos-proibidos.shtml
Publicado em 28.10.2019. Adaptado)