Criatividade e gramática
Sabemos que não são poucos os estudiosos da linguagem que consideram a gramática, a
gramática normativa, sobretudo como ela é ensinada, de modo absolutista e em exercícios em que
estão em jogo mais classificações e nomenclaturas, cerceadora da atividade linguística e, portanto,
sem utilidade para um domínio mais flexível, particularmente da escrita. Considerada, no entanto,
antes como um saber que todo falante possui em alto grau de perfeição, que se manifesta em seus
atos verbais, e depois, como a descrição (que poder ter uma intenção normativa) deste saber, o
ensino da gramática é importante se visar à ampliação do conhecimento reflexivo do já sabido e do aprendido. Desta maneira, não há como não relacionar a gramática com a produção e a
compreensão do texto.
Assim, dentro desta orientação, a gramática não pode opor-se à criatividade, ideia esta que
perpassa, não só pelo mundo leigo, mas também por certa parcela do mundo dos profissionais do
ensino.
Em seu ensaio, intitulado justamente “Criatividade e Gramática”, Franchi (1987), além de não
restringir a gramática a “um livro de etiquetas”, traça uma trajetória histórica do conceito de
criatividade, encarecendo a necessidade de ampliar o seu conceito. [...].
[...], se minha fala se mostra adequada ao meu interlocutor, ao tema de que se trata, às
circunstâncias da interação verbal, é porque escolhi também os recursos gramaticais esperados;
logo, soube ser criativo, valer-me da criatividade, pois alcancei a eficácia comunicativa, o sucesso
em minha atividade linguística, que é, afinal, o que se espera, idealmente, de todo falante.
Liberto de conceitos redutores de gramática e criatividade, pode, então, o professor,
partindo da análise gramatical dos recursos utilizados nos textos mais variados, até o de uma
simples manchete no jornal, contribuir, gradativamente, para a ampliação dos meios expressivos de
seus alunos, de modo a virem eles a alcançar uma compreensão aceitável da estrutura e
funcionamento de sua língua. A gramática tem, pois, um papel importante no ensino da língua, se
bem fundamentados os princípios e caminhos a trilhar.
UCHÔA, Carlos Eduardo Falcão. O ensino da gramática: caminhos e descaminhos. 2 ed. Rio de Janeiro, Lexikon, 2016. p. 137-139.