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Saúde e dinheiro
Os norte-americanos perdem qualidade de vida. Com isso, perdem condição de viver mais
Dinheiro não traz felicidade, diz o povo. Embora haja controvérsias, a julgar pelo exemplo dos Estados
Unidos, nem saúde: pelo segundo ano consecutivo, a expectativa de vida dos americanos diminuiu.
Em 1960, eles tinham a expectativa de vida mais alta do mundo. Chegava a 2,4 anos a mais do que
a média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em
1998, sua expectativa de vida ficou para trás da média da OCDE. Hoje, a diferença já é de 1,6 ano.
Um painel conjunto do National Research Council e do Institute of Medicine investigou as causas dessa
desvantagem crescente. A conclusão foi a de que a saúde dos americanos é mais pobre em diversos
aspectos: obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, ferimentos, homicídios, complicações de
parto, gravidez na adolescência, consumo de drogas ilícitas e infecções pelo HIV.
Ficou evidente, também, que o estilo de vida é menos saudável do que o dos países da OCDE: as
cidades privilegiam o automóvel, a população costuma ingerir alimentos altamente calóricos, abusar
de álcool e possuir armas de fogo. Aqueles com renda familiar mais baixa têm menos suporte social,
previdenciário e acesso limitado à assistência médica.
As mortes por overdose aumentam a cada ano. Em 2015, foram 64 mil; neste ano, serão 70 mil,
números que ultrapassam o total das mortes de soldados americanos na Guerra do Vietnã. Numa
análise publicada no Bristish Medical Journal, Steven Woolf e Laudan Aron consideraram esses óbitos
a “ponta do iceberg” de uma crise de saúde mais abrangente: a mortalidade associada ao abuso de
álcool e aos suicídios, que afeta especialmente os brancos de meia-idade e certas comunidades rurais.
As causas estariam ligadas ao colapso das indústrias locais, à erosão dos laços comunitários, ao
isolamento social, à pressão financeira e à consciência dos trabalhadores de que perderam o padrão de
vida que os pais um dia tiveram.
Ao contrário, entre os negros o número de suicídios e de mortes por overdose não aumentou. Os autores
atribuem a esse fenômeno a maior resiliência de mulheres e homens negros, habituados a enfrentar
desvantagens econômicas, discriminação, preconceito social e mortalidade geral mais elevada.
De outro lado, nos últimos anos, as diferenças sociais se acentuaram, a performance escolar piorou,
os salários da classe média estagnaram e os níveis de pobreza aumentaram em relação aos dos países
desenvolvidos. O país é rico, mas desigual: os mais pobres têm dificuldade de acesso a serviços sociais,
à assistência médica, à prevenção e ao tratamento de transtornos psiquiátricos e dependência química.
Os Estados Unidos investem em saúde 17 % de um PIB de 19 trilhões de dólares, ou seja, cerca
de 3,2 trilhões de dólares. É mais do que o PIB inteiro do Brasil. Para justificar esse gasto, o americano
médio deveria viver 110 anos, pelo menos. Quem nasce em Santa Catarina vive mais.
VARELLA, Drauzio. Saúde e dinheiro. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/revista/1024/
saude-e-dinheiro. Acesso em 21 nov.2018. (Adaptado)