O texto seguinte servirá de base para responder a questão.
Roupas-borboletas
Meu amigo Zé Klein jamais vestiu novamente o suéter
preto que usou no enterro do pai. Ele o guarda há duas
décadas como um sudário, gêmeo do pesar, enterrado
na gaveta desde a data de falecimento.
É capaz de usar qualquer peça que foi do pai, mas não
aquela que vestiu na despedida. Pois há vida na roupa
do morto, enquanto a sua carrega apenas a morte.
É difícil ressignificar roupas após um adeus doloroso.
Talvez porque, naquele momento, sentimos a alma nua.
E, após enfrentar a angústia do velório, não queremos
reviver os mesmos calafrios. Evitamos a roupa para não
reencenar mentalmente o caixão baixando lentamente.
A muda de roupa é sacrificada. Deixa de aquecer e
servir, tornando-se um tecido extinto.
Entendo o hábito de descartar o que usamos no dia de
uma perda. Essas peças não guardam conexão com a
saudade, mas simbolizam o fim. Saudade é preservar o que existia enquanto a pessoa vivia, não aquilo que
marca sua ausência.
Meu primeiro presente para Beatriz foi o vestido que ela
usou no enterro da mãe. Sabia que aquela peça teria um
destino único e definitivo. O coração não permitiria que o
traje ressuscitasse.
Aquele vestido era como uma borboleta rara, com a
missão de sobrevoar por um único dia o jardim da
ausência, embelezando a falta, trazendo brilho ao céu
das perdas.
Imagino o orgulho de sua mãe, Clara, na outra
dimensão. De alguma forma, ela deve ter visto sua filha
vestida da fugacidade exuberante de uma borboleta, a
mais linda entre todos os presentes.
Fabrício Carpinejar - Texto Adaptado
https://www.otempo.com.br/opiniao/fabricio-carpinejar/2024/11/22/roup
as-borboletas