Questões de Concurso Público Prefeitura de Palmeira dos Índios - AL 2019 para Educador Físico

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Q1655059 Português

ESQUEÇA A “LÓGICA” DA LÍNGUA!


Desde o surgimento da filosofia antiga na Grécia, circula na cultura ocidental o mito de que a língua se organiza numa gramática que seria um espelho da lógica que comanda os processamentos da mente/espírito/alma/razão. Desse modo, a gramática seria a “lógica” da língua, enquanto a lógica descreveria a “gramática” do pensamento. Essa concepção de língua e de mente como o espelho uma da outra, velha de 2.500 anos, se enraizou fundo e continua bastante viva até hoje, especialmente entre as pessoas que se esforçam por defender a “pureza” da língua contra os “abusos” e os “erros” cometidos pelos próprios falantes. Essas pessoas costumam argumentar que esses “abusos” e “erros” vão na contramão da “lógica da língua” que, supostamente, governa a gramática. Por exemplo, no enunciado “Descartes foi um dos filósofos que se ocupou do caráter universal da linguagem”, o verbo ocupar deveria estar no plural por motivos “lógicos”, o que se comprovaria com a inversão dos termos: “Um dos filósofos que se ocuparam do caráter universal da linguagem foi Descartes”. Não parece lógico? Só que não...


O grande equívoco dessa abordagem tradicional é acreditar que existe realmente uma identidade entre o funcionamento da língua e o funcionamento da mente. Querer encontrar na língua a mesma “lógica” que governa a mente é acreditar, em última instância, na tese de que “o homem é um animal racional”, formulada inicialmente por Aristóteles e repetida até hoje. Ora, essa suposta racionalidade do ser humano foi posta em xeque no início do século 20 pela psicanálise desenvolvida por Sigmund Freud (1856-1939), que enfatizou o papel fundamental do inconsciente no funcionamento da psique e nas ações concretas – desdobramentos mais recentes da neurociência e de outros campos de investigação empírica têm sugerido que mais de 90% das operações do nosso cérebro estão fora do nível da consciência.


Os estudos linguísticos contemporâneos de visada não formalista também contestam a suposta identidade de lógica e gramática, espantosamente ainda defendida por correntes teóricas como o gerativismo chomskiano, herdeiro em linha reta de Platão e Descartes, expoentes máximos do chamado racionalismo filosófico. Seria até mesmo possível dizer que existe uma lógica de funcionamento das línguas, mas ela nada tem a ver com a lógica formal clássica e seus silogismos, categorias e teoremas. As investigações sobre a mudança linguística têm demonstrado a interação complexa entre fatores sociais (como a variação e o contato), fatores articulatórios (o modo como pronunciamos os sons da língua) e fatores cognitivos como a economia linguística, a gramaticalização, a analogia, fatores que também incluem a metáfora, a metonímia, a reanálise, a construcionalização, entre outros, comuns a todas as línguas. É o uso em sociedade que comanda o funcionamento da língua e responde pela mudança linguística. E a mudança é intrínseca à própria natureza sociocognitiva das línguas: não adianta ter raiva dela, como não adianta ter raiva da mudança das estações. Sendo um trabalho coletivo, fruto do que vem sendo chamado de cognição social, as mudanças que ocorrem na língua não têm nada de “racionais”, no sentido de “conscientes”, nem obedecem a uma mítica “gramática universal”, cuja existência até hoje ninguém conseguiu provar.


 Por fim, o grande linguista francês Émile Benveniste (1902-1976) mostrou com a maior clareza possível que a lógica clássica, fundada por Aristóteles, era inteiramente dependente da gramática da língua grega. As fórmulas lógicas que pretensamente revelavam como a mente funciona na verdade revelam apenas como funcionava a língua grega falada pelo grande filósofo. Se ele fosse falante de árabe, chinês, tupi ou quicongo sem dúvida alguma sua lógica teria sido radicalmente diferente. Assim, não é a lógica de funcionamento da mente que nos leva a empregar a língua do modo como a empregamos, mas exatamente o contrário: é a gramática de nossa língua particular que nos faz acreditar que o pensamento se processa de tal e qual modo. Importantes filósofos dos séculos 16 e 17, da corrente chamada empirismo, como o inglês Locke e o francês Condillac, refutaram essa suposta logicidade da língua que, no fundo, admite a existência de “ideias inatas” e, mais no fundo ainda, esconde a crença numa divindade que nos concedeu o “dom” da linguagem, dom que nós só fazemos corromper e destruir (haveria uma correspondência entre o pecado original e a degeneração de uma “língua primordial” perfeita). Assim, quando você topar com um uso inesperado, inovador, não torça o nariz acreditando que ele fere a “lógica” da língua: ao contrário, tente compreender por que os falantes, em trabalho coletivo governado por fatores das mais diversas ordens, estão usando a língua assim agora e não como se usava no ano passado. Afinal, se as línguas fossem “lógicas”, elas não teriam por que mudar. Só que as línguas mudam ou, melhor dizendo, nós, seres humanos sociais, em nossas interações com a cultura e o mundo, é que mudamos a língua que falamos.


(BAGNO, Marcos. Esqueça a “lógica” da língua. Disponível em: http://bit.ly/2o9Tw7D)

Com base no texto 'ESQUEÇA A “LÓGICA” DA LÍNGUA!', leia as afirmativas a seguir:
I. Pode-se dizer, de acordo com o texto, que a tese construída em torno da concepção de língua e de mente como o espelho uma da outra permanece viva em discursos de defesa de uma determinada “pureza” da língua.
II. Diversos fatores, segundo o texto, colaboram para que compreendamos que a língua não obedece a uma lógica como a pensada pelos gregos clássicos, mas, sim, como uma atividade de natureza sociocognitiva. Entre essas razões, encontram-se a lógica que descreve a “gramática” do pensamento e as mudanças no léxico.
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Q1655060 Português

ESQUEÇA A “LÓGICA” DA LÍNGUA!


Desde o surgimento da filosofia antiga na Grécia, circula na cultura ocidental o mito de que a língua se organiza numa gramática que seria um espelho da lógica que comanda os processamentos da mente/espírito/alma/razão. Desse modo, a gramática seria a “lógica” da língua, enquanto a lógica descreveria a “gramática” do pensamento. Essa concepção de língua e de mente como o espelho uma da outra, velha de 2.500 anos, se enraizou fundo e continua bastante viva até hoje, especialmente entre as pessoas que se esforçam por defender a “pureza” da língua contra os “abusos” e os “erros” cometidos pelos próprios falantes. Essas pessoas costumam argumentar que esses “abusos” e “erros” vão na contramão da “lógica da língua” que, supostamente, governa a gramática. Por exemplo, no enunciado “Descartes foi um dos filósofos que se ocupou do caráter universal da linguagem”, o verbo ocupar deveria estar no plural por motivos “lógicos”, o que se comprovaria com a inversão dos termos: “Um dos filósofos que se ocuparam do caráter universal da linguagem foi Descartes”. Não parece lógico? Só que não...


O grande equívoco dessa abordagem tradicional é acreditar que existe realmente uma identidade entre o funcionamento da língua e o funcionamento da mente. Querer encontrar na língua a mesma “lógica” que governa a mente é acreditar, em última instância, na tese de que “o homem é um animal racional”, formulada inicialmente por Aristóteles e repetida até hoje. Ora, essa suposta racionalidade do ser humano foi posta em xeque no início do século 20 pela psicanálise desenvolvida por Sigmund Freud (1856-1939), que enfatizou o papel fundamental do inconsciente no funcionamento da psique e nas ações concretas – desdobramentos mais recentes da neurociência e de outros campos de investigação empírica têm sugerido que mais de 90% das operações do nosso cérebro estão fora do nível da consciência.


Os estudos linguísticos contemporâneos de visada não formalista também contestam a suposta identidade de lógica e gramática, espantosamente ainda defendida por correntes teóricas como o gerativismo chomskiano, herdeiro em linha reta de Platão e Descartes, expoentes máximos do chamado racionalismo filosófico. Seria até mesmo possível dizer que existe uma lógica de funcionamento das línguas, mas ela nada tem a ver com a lógica formal clássica e seus silogismos, categorias e teoremas. As investigações sobre a mudança linguística têm demonstrado a interação complexa entre fatores sociais (como a variação e o contato), fatores articulatórios (o modo como pronunciamos os sons da língua) e fatores cognitivos como a economia linguística, a gramaticalização, a analogia, fatores que também incluem a metáfora, a metonímia, a reanálise, a construcionalização, entre outros, comuns a todas as línguas. É o uso em sociedade que comanda o funcionamento da língua e responde pela mudança linguística. E a mudança é intrínseca à própria natureza sociocognitiva das línguas: não adianta ter raiva dela, como não adianta ter raiva da mudança das estações. Sendo um trabalho coletivo, fruto do que vem sendo chamado de cognição social, as mudanças que ocorrem na língua não têm nada de “racionais”, no sentido de “conscientes”, nem obedecem a uma mítica “gramática universal”, cuja existência até hoje ninguém conseguiu provar.


 Por fim, o grande linguista francês Émile Benveniste (1902-1976) mostrou com a maior clareza possível que a lógica clássica, fundada por Aristóteles, era inteiramente dependente da gramática da língua grega. As fórmulas lógicas que pretensamente revelavam como a mente funciona na verdade revelam apenas como funcionava a língua grega falada pelo grande filósofo. Se ele fosse falante de árabe, chinês, tupi ou quicongo sem dúvida alguma sua lógica teria sido radicalmente diferente. Assim, não é a lógica de funcionamento da mente que nos leva a empregar a língua do modo como a empregamos, mas exatamente o contrário: é a gramática de nossa língua particular que nos faz acreditar que o pensamento se processa de tal e qual modo. Importantes filósofos dos séculos 16 e 17, da corrente chamada empirismo, como o inglês Locke e o francês Condillac, refutaram essa suposta logicidade da língua que, no fundo, admite a existência de “ideias inatas” e, mais no fundo ainda, esconde a crença numa divindade que nos concedeu o “dom” da linguagem, dom que nós só fazemos corromper e destruir (haveria uma correspondência entre o pecado original e a degeneração de uma “língua primordial” perfeita). Assim, quando você topar com um uso inesperado, inovador, não torça o nariz acreditando que ele fere a “lógica” da língua: ao contrário, tente compreender por que os falantes, em trabalho coletivo governado por fatores das mais diversas ordens, estão usando a língua assim agora e não como se usava no ano passado. Afinal, se as línguas fossem “lógicas”, elas não teriam por que mudar. Só que as línguas mudam ou, melhor dizendo, nós, seres humanos sociais, em nossas interações com a cultura e o mundo, é que mudamos a língua que falamos.


(BAGNO, Marcos. Esqueça a “lógica” da língua. Disponível em: http://bit.ly/2o9Tw7D)

Com base no texto 'ESQUEÇA A “LÓGICA” DA LÍNGUA!', leia as afirmativas a seguir:
I. Os gregos clássicos acreditavam que o “dom” da linguagem foi dado aos seres humanos por intermédio de uma divindade, todavia o ser humano corrompeu a “língua primordial” devido ao pecado original. Essa tese foi respaldada pelo linguista Benveniste.
II. Depreende-se do texto que a cultura é o fator essencial para manter a logicidade da língua, tão cultuada pelos gregos clássicos. Nesse sentido, existe uma relação direta entre a divindade que criou o ser humano e a língua ofertada por ela. Por isso a tese de uma gramática universal.
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Q1655061 Português

ESQUEÇA A “LÓGICA” DA LÍNGUA!


Desde o surgimento da filosofia antiga na Grécia, circula na cultura ocidental o mito de que a língua se organiza numa gramática que seria um espelho da lógica que comanda os processamentos da mente/espírito/alma/razão. Desse modo, a gramática seria a “lógica” da língua, enquanto a lógica descreveria a “gramática” do pensamento. Essa concepção de língua e de mente como o espelho uma da outra, velha de 2.500 anos, se enraizou fundo e continua bastante viva até hoje, especialmente entre as pessoas que se esforçam por defender a “pureza” da língua contra os “abusos” e os “erros” cometidos pelos próprios falantes. Essas pessoas costumam argumentar que esses “abusos” e “erros” vão na contramão da “lógica da língua” que, supostamente, governa a gramática. Por exemplo, no enunciado “Descartes foi um dos filósofos que se ocupou do caráter universal da linguagem”, o verbo ocupar deveria estar no plural por motivos “lógicos”, o que se comprovaria com a inversão dos termos: “Um dos filósofos que se ocuparam do caráter universal da linguagem foi Descartes”. Não parece lógico? Só que não...


O grande equívoco dessa abordagem tradicional é acreditar que existe realmente uma identidade entre o funcionamento da língua e o funcionamento da mente. Querer encontrar na língua a mesma “lógica” que governa a mente é acreditar, em última instância, na tese de que “o homem é um animal racional”, formulada inicialmente por Aristóteles e repetida até hoje. Ora, essa suposta racionalidade do ser humano foi posta em xeque no início do século 20 pela psicanálise desenvolvida por Sigmund Freud (1856-1939), que enfatizou o papel fundamental do inconsciente no funcionamento da psique e nas ações concretas – desdobramentos mais recentes da neurociência e de outros campos de investigação empírica têm sugerido que mais de 90% das operações do nosso cérebro estão fora do nível da consciência.


Os estudos linguísticos contemporâneos de visada não formalista também contestam a suposta identidade de lógica e gramática, espantosamente ainda defendida por correntes teóricas como o gerativismo chomskiano, herdeiro em linha reta de Platão e Descartes, expoentes máximos do chamado racionalismo filosófico. Seria até mesmo possível dizer que existe uma lógica de funcionamento das línguas, mas ela nada tem a ver com a lógica formal clássica e seus silogismos, categorias e teoremas. As investigações sobre a mudança linguística têm demonstrado a interação complexa entre fatores sociais (como a variação e o contato), fatores articulatórios (o modo como pronunciamos os sons da língua) e fatores cognitivos como a economia linguística, a gramaticalização, a analogia, fatores que também incluem a metáfora, a metonímia, a reanálise, a construcionalização, entre outros, comuns a todas as línguas. É o uso em sociedade que comanda o funcionamento da língua e responde pela mudança linguística. E a mudança é intrínseca à própria natureza sociocognitiva das línguas: não adianta ter raiva dela, como não adianta ter raiva da mudança das estações. Sendo um trabalho coletivo, fruto do que vem sendo chamado de cognição social, as mudanças que ocorrem na língua não têm nada de “racionais”, no sentido de “conscientes”, nem obedecem a uma mítica “gramática universal”, cuja existência até hoje ninguém conseguiu provar.


 Por fim, o grande linguista francês Émile Benveniste (1902-1976) mostrou com a maior clareza possível que a lógica clássica, fundada por Aristóteles, era inteiramente dependente da gramática da língua grega. As fórmulas lógicas que pretensamente revelavam como a mente funciona na verdade revelam apenas como funcionava a língua grega falada pelo grande filósofo. Se ele fosse falante de árabe, chinês, tupi ou quicongo sem dúvida alguma sua lógica teria sido radicalmente diferente. Assim, não é a lógica de funcionamento da mente que nos leva a empregar a língua do modo como a empregamos, mas exatamente o contrário: é a gramática de nossa língua particular que nos faz acreditar que o pensamento se processa de tal e qual modo. Importantes filósofos dos séculos 16 e 17, da corrente chamada empirismo, como o inglês Locke e o francês Condillac, refutaram essa suposta logicidade da língua que, no fundo, admite a existência de “ideias inatas” e, mais no fundo ainda, esconde a crença numa divindade que nos concedeu o “dom” da linguagem, dom que nós só fazemos corromper e destruir (haveria uma correspondência entre o pecado original e a degeneração de uma “língua primordial” perfeita). Assim, quando você topar com um uso inesperado, inovador, não torça o nariz acreditando que ele fere a “lógica” da língua: ao contrário, tente compreender por que os falantes, em trabalho coletivo governado por fatores das mais diversas ordens, estão usando a língua assim agora e não como se usava no ano passado. Afinal, se as línguas fossem “lógicas”, elas não teriam por que mudar. Só que as línguas mudam ou, melhor dizendo, nós, seres humanos sociais, em nossas interações com a cultura e o mundo, é que mudamos a língua que falamos.


(BAGNO, Marcos. Esqueça a “lógica” da língua. Disponível em: http://bit.ly/2o9Tw7D)

Com base no texto 'ESQUEÇA A “LÓGICA” DA LÍNGUA!', leia as afirmativas a seguir:
I. O autor refuta a tese da lógica clássica ao afirmar que, se Aristóteles fosse falante de árabe, chinês, tupi ou quicongo sem dúvida alguma sua lógica teria sido radicalmente diferente, pois a “lógica” da língua grega falada pelo grande filósofo guardava suas particularidades. Portanto, não é a lógica de funcionamento da mente que nos leva a empregar a língua do modo como a empregamos, mas exatamente o contrário: é a gramática de nossa língua particular que nos faz acreditar que o pensamento se processa de tal e qual modo.
II. Para defender seu ponto de vista, o autor optou por traçar um percurso histórico, evidenciando o que levou a concepção de língua e de mente como o espelho uma da outra à consolidação no pensamento ocidental. Para isso, se utiliza também da ideia dos filósofos Descartes, Locke e Condillac a fim de esclarecer que a humanidade acredita numa divindade que nos concedeu o “dom” da linguagem.
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Q1655062 Português

ESQUEÇA A “LÓGICA” DA LÍNGUA!


Desde o surgimento da filosofia antiga na Grécia, circula na cultura ocidental o mito de que a língua se organiza numa gramática que seria um espelho da lógica que comanda os processamentos da mente/espírito/alma/razão. Desse modo, a gramática seria a “lógica” da língua, enquanto a lógica descreveria a “gramática” do pensamento. Essa concepção de língua e de mente como o espelho uma da outra, velha de 2.500 anos, se enraizou fundo e continua bastante viva até hoje, especialmente entre as pessoas que se esforçam por defender a “pureza” da língua contra os “abusos” e os “erros” cometidos pelos próprios falantes. Essas pessoas costumam argumentar que esses “abusos” e “erros” vão na contramão da “lógica da língua” que, supostamente, governa a gramática. Por exemplo, no enunciado “Descartes foi um dos filósofos que se ocupou do caráter universal da linguagem”, o verbo ocupar deveria estar no plural por motivos “lógicos”, o que se comprovaria com a inversão dos termos: “Um dos filósofos que se ocuparam do caráter universal da linguagem foi Descartes”. Não parece lógico? Só que não...


O grande equívoco dessa abordagem tradicional é acreditar que existe realmente uma identidade entre o funcionamento da língua e o funcionamento da mente. Querer encontrar na língua a mesma “lógica” que governa a mente é acreditar, em última instância, na tese de que “o homem é um animal racional”, formulada inicialmente por Aristóteles e repetida até hoje. Ora, essa suposta racionalidade do ser humano foi posta em xeque no início do século 20 pela psicanálise desenvolvida por Sigmund Freud (1856-1939), que enfatizou o papel fundamental do inconsciente no funcionamento da psique e nas ações concretas – desdobramentos mais recentes da neurociência e de outros campos de investigação empírica têm sugerido que mais de 90% das operações do nosso cérebro estão fora do nível da consciência.


Os estudos linguísticos contemporâneos de visada não formalista também contestam a suposta identidade de lógica e gramática, espantosamente ainda defendida por correntes teóricas como o gerativismo chomskiano, herdeiro em linha reta de Platão e Descartes, expoentes máximos do chamado racionalismo filosófico. Seria até mesmo possível dizer que existe uma lógica de funcionamento das línguas, mas ela nada tem a ver com a lógica formal clássica e seus silogismos, categorias e teoremas. As investigações sobre a mudança linguística têm demonstrado a interação complexa entre fatores sociais (como a variação e o contato), fatores articulatórios (o modo como pronunciamos os sons da língua) e fatores cognitivos como a economia linguística, a gramaticalização, a analogia, fatores que também incluem a metáfora, a metonímia, a reanálise, a construcionalização, entre outros, comuns a todas as línguas. É o uso em sociedade que comanda o funcionamento da língua e responde pela mudança linguística. E a mudança é intrínseca à própria natureza sociocognitiva das línguas: não adianta ter raiva dela, como não adianta ter raiva da mudança das estações. Sendo um trabalho coletivo, fruto do que vem sendo chamado de cognição social, as mudanças que ocorrem na língua não têm nada de “racionais”, no sentido de “conscientes”, nem obedecem a uma mítica “gramática universal”, cuja existência até hoje ninguém conseguiu provar.


 Por fim, o grande linguista francês Émile Benveniste (1902-1976) mostrou com a maior clareza possível que a lógica clássica, fundada por Aristóteles, era inteiramente dependente da gramática da língua grega. As fórmulas lógicas que pretensamente revelavam como a mente funciona na verdade revelam apenas como funcionava a língua grega falada pelo grande filósofo. Se ele fosse falante de árabe, chinês, tupi ou quicongo sem dúvida alguma sua lógica teria sido radicalmente diferente. Assim, não é a lógica de funcionamento da mente que nos leva a empregar a língua do modo como a empregamos, mas exatamente o contrário: é a gramática de nossa língua particular que nos faz acreditar que o pensamento se processa de tal e qual modo. Importantes filósofos dos séculos 16 e 17, da corrente chamada empirismo, como o inglês Locke e o francês Condillac, refutaram essa suposta logicidade da língua que, no fundo, admite a existência de “ideias inatas” e, mais no fundo ainda, esconde a crença numa divindade que nos concedeu o “dom” da linguagem, dom que nós só fazemos corromper e destruir (haveria uma correspondência entre o pecado original e a degeneração de uma “língua primordial” perfeita). Assim, quando você topar com um uso inesperado, inovador, não torça o nariz acreditando que ele fere a “lógica” da língua: ao contrário, tente compreender por que os falantes, em trabalho coletivo governado por fatores das mais diversas ordens, estão usando a língua assim agora e não como se usava no ano passado. Afinal, se as línguas fossem “lógicas”, elas não teriam por que mudar. Só que as línguas mudam ou, melhor dizendo, nós, seres humanos sociais, em nossas interações com a cultura e o mundo, é que mudamos a língua que falamos.


(BAGNO, Marcos. Esqueça a “lógica” da língua. Disponível em: http://bit.ly/2o9Tw7D)

Com base no texto 'ESQUEÇA A “LÓGICA” DA LÍNGUA!', leia as afirmativas a seguir:
I. Para provar sua tese do grande equívoco da abordagem tradicional, o autor se utiliza de um enunciado (“Descartes foi um dos filósofos que se ocupou do caráter universal da linguagem”) e postula uma questão de concordância da língua. Além disso, ratifica seu ponto de vista ressaltando que é o uso em sociedade que comanda o funcionamento da língua.
II. Segundo o texto, difundiu-se no mundo ocidental a crença de que a língua se organiza numa gramática que funciona como a “lógica” da língua. Essa lógica comanda os processamentos da mente/espírito/alma/razão. Então, a gramática seria uma expressão organizada do pensamento, enquanto a lógica estruturaria essa língua.
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Q1655063 Português

ESQUEÇA A “LÓGICA” DA LÍNGUA!


Desde o surgimento da filosofia antiga na Grécia, circula na cultura ocidental o mito de que a língua se organiza numa gramática que seria um espelho da lógica que comanda os processamentos da mente/espírito/alma/razão. Desse modo, a gramática seria a “lógica” da língua, enquanto a lógica descreveria a “gramática” do pensamento. Essa concepção de língua e de mente como o espelho uma da outra, velha de 2.500 anos, se enraizou fundo e continua bastante viva até hoje, especialmente entre as pessoas que se esforçam por defender a “pureza” da língua contra os “abusos” e os “erros” cometidos pelos próprios falantes. Essas pessoas costumam argumentar que esses “abusos” e “erros” vão na contramão da “lógica da língua” que, supostamente, governa a gramática. Por exemplo, no enunciado “Descartes foi um dos filósofos que se ocupou do caráter universal da linguagem”, o verbo ocupar deveria estar no plural por motivos “lógicos”, o que se comprovaria com a inversão dos termos: “Um dos filósofos que se ocuparam do caráter universal da linguagem foi Descartes”. Não parece lógico? Só que não...


O grande equívoco dessa abordagem tradicional é acreditar que existe realmente uma identidade entre o funcionamento da língua e o funcionamento da mente. Querer encontrar na língua a mesma “lógica” que governa a mente é acreditar, em última instância, na tese de que “o homem é um animal racional”, formulada inicialmente por Aristóteles e repetida até hoje. Ora, essa suposta racionalidade do ser humano foi posta em xeque no início do século 20 pela psicanálise desenvolvida por Sigmund Freud (1856-1939), que enfatizou o papel fundamental do inconsciente no funcionamento da psique e nas ações concretas – desdobramentos mais recentes da neurociência e de outros campos de investigação empírica têm sugerido que mais de 90% das operações do nosso cérebro estão fora do nível da consciência.


Os estudos linguísticos contemporâneos de visada não formalista também contestam a suposta identidade de lógica e gramática, espantosamente ainda defendida por correntes teóricas como o gerativismo chomskiano, herdeiro em linha reta de Platão e Descartes, expoentes máximos do chamado racionalismo filosófico. Seria até mesmo possível dizer que existe uma lógica de funcionamento das línguas, mas ela nada tem a ver com a lógica formal clássica e seus silogismos, categorias e teoremas. As investigações sobre a mudança linguística têm demonstrado a interação complexa entre fatores sociais (como a variação e o contato), fatores articulatórios (o modo como pronunciamos os sons da língua) e fatores cognitivos como a economia linguística, a gramaticalização, a analogia, fatores que também incluem a metáfora, a metonímia, a reanálise, a construcionalização, entre outros, comuns a todas as línguas. É o uso em sociedade que comanda o funcionamento da língua e responde pela mudança linguística. E a mudança é intrínseca à própria natureza sociocognitiva das línguas: não adianta ter raiva dela, como não adianta ter raiva da mudança das estações. Sendo um trabalho coletivo, fruto do que vem sendo chamado de cognição social, as mudanças que ocorrem na língua não têm nada de “racionais”, no sentido de “conscientes”, nem obedecem a uma mítica “gramática universal”, cuja existência até hoje ninguém conseguiu provar.


 Por fim, o grande linguista francês Émile Benveniste (1902-1976) mostrou com a maior clareza possível que a lógica clássica, fundada por Aristóteles, era inteiramente dependente da gramática da língua grega. As fórmulas lógicas que pretensamente revelavam como a mente funciona na verdade revelam apenas como funcionava a língua grega falada pelo grande filósofo. Se ele fosse falante de árabe, chinês, tupi ou quicongo sem dúvida alguma sua lógica teria sido radicalmente diferente. Assim, não é a lógica de funcionamento da mente que nos leva a empregar a língua do modo como a empregamos, mas exatamente o contrário: é a gramática de nossa língua particular que nos faz acreditar que o pensamento se processa de tal e qual modo. Importantes filósofos dos séculos 16 e 17, da corrente chamada empirismo, como o inglês Locke e o francês Condillac, refutaram essa suposta logicidade da língua que, no fundo, admite a existência de “ideias inatas” e, mais no fundo ainda, esconde a crença numa divindade que nos concedeu o “dom” da linguagem, dom que nós só fazemos corromper e destruir (haveria uma correspondência entre o pecado original e a degeneração de uma “língua primordial” perfeita). Assim, quando você topar com um uso inesperado, inovador, não torça o nariz acreditando que ele fere a “lógica” da língua: ao contrário, tente compreender por que os falantes, em trabalho coletivo governado por fatores das mais diversas ordens, estão usando a língua assim agora e não como se usava no ano passado. Afinal, se as línguas fossem “lógicas”, elas não teriam por que mudar. Só que as línguas mudam ou, melhor dizendo, nós, seres humanos sociais, em nossas interações com a cultura e o mundo, é que mudamos a língua que falamos.


(BAGNO, Marcos. Esqueça a “lógica” da língua. Disponível em: http://bit.ly/2o9Tw7D)

Com base no texto 'ESQUEÇA A “LÓGICA” DA LÍNGUA!', leia as afirmativas a seguir:
I. Como mostra o texto, o psicanalista Freud pôs em evidência a ideia de racionalidade do ser humano ressaltando a importância do inconsciente no funcionamento da mente e nas ações do homem. Meramente com base nessa reflexão, o autor mostra que as mudanças que ocorrem na língua não têm nada de “racionais”, no sentido de “conscientes”, nem obedecem a uma mítica “gramática universal”.
II. De modo geral, o autor defende uma concepção de língua que perpassa o social e nega a origem racional do ser humano. Isto é, todas as produções de fala ou escrita estão sujeitas à irracionalidade e não à gramaticalização.
Marque a alternativa CORRETA:
Alternativas
Respostas
1: B
2: D
3: B
4: A
5: D