Leia o texto a seguir para responder a questão:
O Labirinto dos Manuais
Há alguns meses troquei meu celular. Um modelo
lindo, pequeno, prático. Segundo a vendedora, era capaz
de tudo e mais um pouco. Fotografava, fazia vídeos,
recebia e-mails e até servia para telefonar. Abri o manual,
entusiasmado. “Agora eu aprendo”, decidi, folheando as
49 páginas. Já na primeira, tentei executar as funções.
Duas horas depois, eu estava prestes a roer o aparelho. O
manual tentava prever todas as possibilidades. Virou um
labirinto de instruções! Trabalho sempre com um antigo
exemplar da Bíblia na mesa. Examinei. O Gênesis, que
descreve toda a criação do mundo, ocupa cinquenta
páginas. O manual do celular, 49!
Nas semanas seguintes, tentei abaixar o som da
campainha. Só aumentava. Buscava o vibracall, não
achava. Era só alguém me chamar e todo mundo em torno saía correndo, pensando que era o alarme de incêndio!
Quem me salvou foi um motorista de táxi.
– Manual só confunde – disse didaticamente. – Dá
uma de curioso.
Teclei. Dali a pouco apaguei vários endereços. Insisti.
O aparelho entrou em alguma outra função para a qual
não estava habilitado. Finalmente, descobri. Está no
vibracall há meses! O único problema é que não consigo
botar a campainha de volta! Muita gente pensará:
“Que asno!”. Tenho argumentos para me defender. Entre
meus amigos, fui o primeiro a comprar computador. Era
uma tralha, que exigia códigos para tudo. Para achar o cêcedilha, os dedos da mão tinham de dançar rock pauleira,
tantas eram as teclas para apertar de uma só vez. Tinha
de formatar os disquetes de memória! Aprendi tudo por
mim mesmo.
Foi a mesma coisa quando adquiri meu videocassete.
Instalei e aprendi a gravar. Só sofri na hora de programar
pela primeira vez. Agora não consigo mais executar uma
simples programação, tantas são as complicações. Pior
ainda é o DVD que grava. Com a TV por assinatura, mais
os canais abertos, nunca dá certo! Soube de gente que
está cobrando para botar músicas em iPod, tal o número
de pessoas que naufragam nas instruções. Tenho dois
amigos que sonharam com aparelhos de MP3. Cada um
conseguiu o seu. Outro dia perguntei a um deles se estava
aproveitando.
– Eu ainda não tive tempo de mexer… – confessou
Bob, sem jeito.
Estou de computador novo. Já veio com o Vista, a
última coqueluche da Microsoft. Fiz o que toda pessoa
minuciosa faria. Comprei um livro. Na capa, a promessa:
“Rápido e fácil” – um guia prático, simples e colorido!
Resolvi: “Vou seguir cada instrução, página por página. Do
que adianta ter um supercomputador se não sei usá-lo?”.
Quando cheguei à página 20, minha cabeça latejava. O
livro tem 342! Cada vez que olho, dá vontade de chorar!
Não seria melhor gastar o tempo relendo Guerra e Paz?
Tudo foi criado para simplificar. Mas até o microondas ficou difícil. A não ser que eu queira fazer pipoca,
que possui sua própria tecla. Mas não posso me alimentar
só de pipoca! Ainda se emagrecesse… E o fax com
secretária eletrônica? O anterior era simples. Eu apertava
um botão e apagava as mensagens. O atual exige que eu
toque em um, depois em outro para confirmar, e de novo
no primeiro! Outro dia a luzinha estava piscando. Tentei
ouvir a mensagem. A secretária disparou todas, desde o
início do ano!
Eu sei que para a garotada que está aí tudo isso parece
muito simples. Mas o mundo é para todos, não? Talvez
alguém dê aulas para entender manuais! Ou o jeito seria
aprender só aquilo de que tenho realmente necessidade, e
não usar todas as funções. É o que a maioria das pessoas
acaba fazendo!
Walcyr Carrasco, Veja SP, 19.09.2007. Adaptado.
Disponível em:
file:///C:/Users/pacif/Downloads/LEITURA%20-%20Grup
o%201.pdf Acesso em 08/11/2024