O Dinheiro não traz felicidade
(Millôr Fernandes)
Só e triste vivia o pobre marceneiro José dos
Andrajos. Sem parentes, ele morava na sua loja
humilde, trabalhando dia e noite para ganhar o
que mal e mal lhe bastava para sustentar-se
(era como qualquer um).
Mesmo assim, porém, conseguia economizar
cinquenta cruzeiros cada mês. No fim do ano,
com seiscentos cruzeiros juntos, lá ia ele para
o "Fasanelo... e nada mais", e comprava um
bilhete inteiro.
Os que sabiam de sua mania riam dele, mas ele
acreditava que era através da loteria e não do
trabalho que iria fazer-se independente. E
assim foi.
No quinto ano de sua insistência junto à loteria
("insista, não desista."), esta lhe deu cem mil
contos. Surgiram fotógrafos e repórteres dos
jornais, surgiram os amigos para participar do
jantar que ele deu para comemorar sua sorte.
José fechou imediatamente a loja e, daí em
diante, sua vida foi uma festa contínua. Saía
em passeios de lancha pela manhã, à tarde ia
para os bares, à noite para as boates e cabarés,
sempre cercado por amigos entusiasmados e
senhoras entusiasmadíssimas.
Mas, está visto, no meio de tanta efusão, o
dinheiro não durou um ano. E, certo dia,
vestido de novo com suas roupas humildes, o
nosso marceneiro voltou a abrir sua humilde
loja para cair outra vez em seu trabalho
estafante e monótono. Tornou a economizar
seus cinquenta cruzeiros por mês,
aparentemente mais por hábito do que pelo
desejo de voltar a tirar a sorte grande, o que,
aliás, parecia impossível.
Os conhecidos continuavam zombando dele,
agora afirmando-lhe que a oportunidade não
bate duas vezes (a oportunidade só bate uma
vez. Quem bate inúmeras vezes são as visitas
chatas.).
No caso de nosso marceneiro, porém, ela abriu
uma exceção. Pois no terceiro ano em que
comprava o bilhete, novamente foi assaltado
pelos amigos e repórteres que, numa algazarra
incrível, festejavam sua estupenda sorte.
Mas, desta vez, o marceneiro não ficou
contente como quando foi sorteado pela
primeira vez. Olhou para os amigos e
jornalistas com ar triste e murmurou: "- Deus
do céu; vou ter que passar por tudo aquilo outra
vez!?"
MORAL: PARA MUITA GENTE DÁ UM
CERTO CANSAÇO TER QUE
COMPARECER À FESTA DA VIDA.