TEXTO 1
A publicidade sempre está um passo além.
(1) Não são poucas as vezes que, diante da televisão, dá
vontade de gritar. Por exemplo, nos últimos tempos, parece
que a publicidade tem-se esmerado em produzir, a cada
intervalo comercial, muitos momentos desse tipo.
(2) Por pior que seja a televisão em termos de
programação, a publicidade sempre consegue ser um
pouco pior, sempre está a alguns passos além na direção
da barbárie. E não estamos aqui falando da cafajestagem
malandra dos comerciais de cerveja.
(3) Mas há um tipo de mensagem publicitária que só se
pode classificar como violenta mesmo que não haja
nenhuma cena que explore situações de violência. Ao
contrário, são propagandas em tom “científico” ou “bem-humoradas”, cujas mensagens representam ataques graves
a valores que ainda deveriam se sobrepor ao consumo.
(4) A educação das crianças é um dos alvos prediletos das
ideias geniais dos publicitários. Eles sabem que a maioria
dos pais não tem tempo de assumir a parte árdua da
educação dos filhos. É exatamente aí que eles entram.
(5) Uma propaganda recente da marca mais conhecida de
iogurte infantil, por exemplo, começa avisando que a falta
de nutrientes essenciais nos primeiros estágios do
crescimento pode causar sérios danos estruturais. Em
seguida, um pediatra aparece em meio a seus filhos. Com a
dupla autoridade de pai e de médico, informa que o produto
em questão supre perfeitamente as necessidades
nutricionais de uma criança em fase de crescimento. A
imagem final é uma construção de blocos de madeira, cuja
base é substituída por uma embalagem vazia do produto.
Logo, pais, desistam da batalha árdua de fazer as crianças
comerem arroz, feijão, bife e verdura. Podem dar um
desses iogurtes e ir malhar!
(6) Em outra, mais engraçadinha, uma professora avisa
que, antes de sair, os alunos devem entregar o trabalho
“de” Pitágoras. Os alunos vão deixando sobre a mesa os
trabalhos, todos impecavelmente impressos, com
ilustrações coloridas, até que um deposita uma pedra chata
e lisa com um diagrama do triângulo retângulo. A
professora olha com espanto para o menino, que está
vestido como o personagem Bambam, dos “Flintstone”,
clava ao ombro, cabelos desgrenhados, rosto sujo. E ouve-se a mensagem do comercial de um provedor de conexão
rápida com a internet. “Não deixe seu filho na Idade da
Pedra. Relaxe: ele vai ter um jeito fácil e cômodo de dar
conta de seus trabalhos escolares copiando da internet, é
claro. Vocês vão poder ver tranquilos a sua série predileta
de TV”.
(7) Jogando duplamente com a infantilidade – das crianças,
mas também dos pais que resistem a assumir a parte
“chata” da educação – a publicidade mostra sua face mais
brutal.
(Folha de S. Paulo, 3 de abril de 2005. Adaptado)