Ele entrou tarde no restaurante. Poderia ter uns sessenta
anos, era alto, corpulento, de cabelos brancos, sobrancelhas
espessas e mãos potentes. Num dedo o anel de sua força.
Sentou-se amplo e sólido.
Perdi-o de vista e enquanto comia observei de novo a
mulher magra de chapéu. Ela ria com a boca cheia e rebrilhava os
olhos escuros.
No momento em que eu levava o garfo à boca, olhei-o.
Ei-lo de olhos fechados mastigando pão com vigor e mecanismo,
os dois punhos cerrados sobre a mesa. Continuei comendo e
olhando. O garçom dispunha os pratos sobre a toalha. Mas o
velho mantinha os olhos fechados. A um gesto mais vivo do
criado ele os abriu com tal brusquidão que este mesmo
movimento se comunicou às grandes mãos e um garfo caiu.
O garçom sussurrou palavras amáveis abaixando-se para
apanhá-lo; ele não respondia. Porque agora desperto, virava
subitamente a carne de um lado e de outro, examinava-a com
veemência, a ponta da língua aparecendo — apalpava o bife com
as costas do garfo, quase o cheirava, mexendo a boca de
antemão. E começava a cortá-lo com um movimento inútil de
vigor de todo o corpo. Olhei para o meu prato. Quando fitei-o de
novo, ele estava em plena glória do jantar, mastigando de boca
aberta, passando a língua pelos dentes, com o olhar fixo na luz do
teto.
Clarice Lispector. O jantar. In: Laços de família: contos.
Rio de Janeiro: Rocco, 1998 (com adaptações).