A igualdade e a desigualdade das diversas existências
sagradas, todas opostas às coisas que são os puros objetos,
resolvem-se em uma hierarquia de espíritos. Os homens e o “Ser
supremo”, mas também, em uma representação primeira, os
animais, as plantas, os meteoros... são espíritos. Dá-se um
deslizamento nessa posição: o “Ser supremo” é, em certo sentido,
um puro espírito: da mesma forma, o espírito de um homem morto
não depende de uma clara realidade material, como o de um homem
vivo; enfim, o vínculo de um espírito de animal ou de planta com
um animal ou uma planta individuais é muito vago: trata-se de um
espírito mítico — independente das realidades dadas. Nessas
condições, a hierarquia dos espíritos tende a se fundar sobre uma
distinção fundamental entre os espíritos que dependem de um
corpo, como o dos homens, e os espíritos autônomos do “Ser
supremo”, dos animais, dos mortos etc., que tendem a formar um
mundo homogêneo, um mundo mítico, no interior do qual, na maior
parte do tempo, as diferenças hierárquicas são fracas. O “Ser
supremo”, o soberano dos deuses, o deus do céu, em geral não
passa de um deus mais poderoso, mas de mesma natureza que os
outros. Os deuses são simplesmente espíritos míticos, sem substrato
de realidade. E deus é puramente divino (sagrado), o espírito que
não está subordinado à realidade de um corpo mortal. Na medida
em que ele próprio é espírito, o homem é divino (sagrado), mas não
o é soberanamente, já que é real.
Georges Bataille. Teoria da religião. Editora Ática, 1993 (com adaptações).