Até o período moderno, a religião permeava todos os
aspectos da vida, inclusive a política e a guerra, não porque os
eclesiásticos ambiciosos “misturaram” duas atividades
essencialmente distintas, mas porque as pessoas queriam dar sentido
a tudo o que faziam. Todas as ideologias estatais eram religiosas.
Os reis da Europa que lutaram para se libertar do controle papal não
eram “secularistas” e eram reverenciados como semidivinos. Todos
os impérios bem-sucedidos afirmaram ter uma missão divina;
consideraram os inimigos maus, perdidos ou tirânicos; tinham
certeza de que beneficiariam a humanidade. E como esses Estados
e impérios sempre foram criados e mantidos pela força, a religião
esteve implicada nessa violência. Foi só nos séculos XVII e XVIII
que a religião foi expulsa da vida política no Ocidente. Portanto,
quando as pessoas afirmam que a religião foi responsável por mais
guerras, opressão e sofrimento do que qualquer outra instituição
humana, é preciso perguntar: “Mais do que qual?”. Até as
revoluções americana e francesa, não havia sociedades “seculares”.
Nosso impulso de “santificar” nossas atividades políticas é tão
arraigado que, assim que os revolucionários franceses tiveram êxito
em marginalizar a Igreja Católica, eles criaram uma nova religião
nacional. Nos Estados Unidos da América, a primeira república
secular, o Estado sempre teve uma aura religiosa, um destino
manifesto e uma missão aprovada por Deus.
Karen Armstrong. Campos de sangue: religião e a história da violência. Tradução de
Rogério Galindo. São Paulo: Companhia das Letras, 2016 (com adaptações).