Texto CB3A1
Em 2007, o Brasil recebeu a exposição de anatomia
intitulada Bodies revealed: fascinating + real, traduzida como
Corpo humano: real e fascinante. Cerca de 670 mil pessoas de
diversas cidades brasileiras puderam visitar a exposição na qual
os objetos expostos eram nada menos do que 16 cadáveres e 225
órgãos humanos. Adentrar em um salão repleto de cadáveres
estripados e mutilados deveria suscitar a mesma sensação de uma
câmara dos horrores, já que os mortos são notoriamente objetos
de tabu, fontes de mana, considerados impuros, perigosos e, não
raramente, repugnantes. Entretanto, os corpos dissecados da
exposição, apresentados esfolados ou fatiados, inteiros ou em
partes, eviscerados ou não, e tematicamente organizados em
sistemas — esquelético, muscular, nervoso, respiratório,
digestório, excretor, reprodutor, circulatório — eram tratados
como objetos de “arte”. Ao contrário daqueles grandes vidros de
formol que distorcem a imagem do seu conteúdo desbotado,
largamente usados em laboratórios e museus para conservar
restos biológicos, Bodies revealed é um espetáculo cadavérico
no qual corpos dissecados e partes corporais — reduzidos a
formas, cores e texturas — são espetacularmente exibidos em
pedestais, displays e caixas transparentes, distribuídos
meticulosamente em espaços organizados e iluminados para
realçar suas formas e cores.
Há um evidente sensacionalismo mórbido nas exposições
de corpos humanos, visto que não haveria o mesmo impacto se os
corpos expostos fossem sintéticos ou de animais. Isto evidencia o
fato de que a relação que se estabelece entre nós, espectadores, e
os cadáveres expostos tem uma dimensão social, distinta da que
teríamos se fossem apenas modelos de plástico ou cera, ainda que
reproduções perfeitas, ou de um cadáver animal, qualquer que
seja a técnica de conservação. As exposições de corpos humanos
até podem oferecer motivações mais nobres do que o simples
entretenimento mórbido, mas sem abrirem mão da morbidez
como peça fundamental do espetáculo. Com efeito, o tom geral
daqueles que defendem essas exposições apela para a utilidade
educativa de se usarem corpos humanos reais, dissecados e
modelados, em posições didáticas, pois essa técnica possibilita o
acesso a “espécimes” cuja riqueza de detalhes e de informações
era antes acessível apenas aos anatomistas.
Internet: <www.scielo.br> (com adaptações).