Quando se fala que o surgimento da escrita não foi apenas
a aquisição de mais um modo de expressão, mas também uma
revolução, é porque ela mudou toda uma forma de organizar os
pensamentos. Na cultura oral, a memória é que determina o
conhecimento, portanto só sabemos o que podemos recordar,
como pontuou o filósofo e historiador cultural Walter Ong. Dessa
forma, o pensamento foi moldado a partir da repetição oral, dos
padrões rítmicos ou de alguma forma mnemônica, e de um ritmo
mais lento na evolução dos acontecimentos.
Quando o suporte sai do corpo da pessoa e vai para a
argila, a cerâmica, a pedra, mais tarde para o pergaminho e o
papel — suportes que criam a possibilidade de a pessoa retomar
a leitura para relembrar ou refletir sobre um acontecimento —, a
própria elaboração do pensamento e a transmissão do
conhecimento são afetadas. Para além disso, sendo a leitura em
suporte escrito uma atividade individualizada, solitária na
maioria das vezes, ela modifica a relação de comunicação que se
tinha antes na cultura oral, na qual há unidade entre quem fala e
quem ouve.
O resultado disso teria sido tão impactante que Ong
classifica a escrita como uma tecnologia ainda mais extrema que
a impressão e os computadores, por exemplo. “A escrita,
a impressão e os computadores são todos meios de tecnologizar a
palavra. A escrita é, de certo modo, a mais drástica das
três tecnologias. Ela iniciou o que a impressão e os computadores
apenas continuam, a redução do som dinâmico a um espaço
mudo, o afastamento da palavra em relação ao presente vivo,
único lugar em que as palavras faladas podem existir. Ao
contrário da linguagem natural, oral, a escrita é inteiramente
artificial”, escreveu ele.
Renata Penzani. Por que a escrita é a grande revolução da humanidade?
Internet:<www.companhiadasletras.com.br> (com adaptações).