Questões de Concurso Público Prefeitura de Aracaju - SE 2024 para Professor - Disciplina: Língua Portuguesa
Foram encontradas 50 questões
O conto Miss Dollar, de Machado de Assis, traz o leitor para dentro do texto já na primeira linha: “Era conveniente ao romance que o leitor ficasse muito tempo sem saber quem era Miss Dollar” e “sem a apresentação de Miss Dollar, seria o autor obrigado a longas digressões, que encheriam o papel sem adiantar a ação. Não há hesitação possível: vou apresentar lhes Miss Dollar:”. Engana-se, no entanto, a boa-fé de quem acreditar nessas promessas: ao contrário do que apregoara, o narrador entrega-se à volúpia de imaginar diferentes e variados tipos de leitores, cujas previsões sobre a identidade da personagem-título ele antecipa e desmente, valendo-se da autoridade narratorial. Começa refutando a imagem de Miss Dollar como “uma inglesa pálida e delgada, escassa de carnes e de sangue” creditada à imaginação de um “rapaz dado ao gênio melancólico”. Linhas abaixo, o texto inventa um outro leitor, atribuindo a este a imagem de uma Miss Dollar “robusta americana, vertendo o sangue pelas faces, formas arredondadas, olhos vivos e ardentes, mulher feita, refeita, perfeita”. No parágrafo subsequente, o mesmo imaginoso narrador investiga as expectativas de um outro tipo de leitor: daquele que, tendo já passado a segunda mocidade, tem à sua frente uma velhice sem recursos, para quem, então, a Miss Dollar do conto deve ser “boa inglesa de cinquenta anos, dotada com algumas mil libras esterlinas, e que, aportando ao Brasil em procura de assunto para escrever um romance, realizasse um romance verdadeiro, casando com o leitor aludido”. Vê-se que o narrador de Miss Dollar dispõe de galeria inesgotável de leitores-personagens que faz desfilar pelo texto: ao antecipar uma vez mais interpretações para a personagem-título, ele convoca uma outra imagem de leitor que, lisonjeiramente, qualifica de “Mais esperto que os outros” e cuja esperteza parece consistir na interpretação de Miss Dollar como “brasileira dos quatro costados”, vindo seu nome à conta de sua riqueza: “Miss Dollar quer dizer apenas que a rapariga é rica”. E só depois dessa célere multiplicação de leitores imaginários, incessantemente extraídos de sua algibeira, que, para alívio dos leitores de carne e osso, o narrador cumpre finalmente sua promessa, e desvela a identidade de Miss Dollar: “A Miss Dollar do romance não é a menina romântica, nem a mulher robusta, nem a velha literata, nem a brasileira rica (...) Miss Dollar é uma cadelinha galga”.
Marisa Lajolo. Do mundo da leitura para a leitura do mundo.
São Paulo: Ática 2011, p.56-57 (com adaptações).
Julgue o item que se segue, relativo ao texto precedente, que consiste em uma leitura literária do conto Miss Dollar, de Machado de Assis.
O conto Miss Dollar, de Machado de Assis, traz o leitor para dentro do texto já na primeira linha: “Era conveniente ao romance que o leitor ficasse muito tempo sem saber quem era Miss Dollar” e “sem a apresentação de Miss Dollar, seria o autor obrigado a longas digressões, que encheriam o papel sem adiantar a ação. Não há hesitação possível: vou apresentar lhes Miss Dollar:”. Engana-se, no entanto, a boa-fé de quem acreditar nessas promessas: ao contrário do que apregoara, o narrador entrega-se à volúpia de imaginar diferentes e variados tipos de leitores, cujas previsões sobre a identidade da personagem-título ele antecipa e desmente, valendo-se da autoridade narratorial. Começa refutando a imagem de Miss Dollar como “uma inglesa pálida e delgada, escassa de carnes e de sangue” creditada à imaginação de um “rapaz dado ao gênio melancólico”. Linhas abaixo, o texto inventa um outro leitor, atribuindo a este a imagem de uma Miss Dollar “robusta americana, vertendo o sangue pelas faces, formas arredondadas, olhos vivos e ardentes, mulher feita, refeita, perfeita”. No parágrafo subsequente, o mesmo imaginoso narrador investiga as expectativas de um outro tipo de leitor: daquele que, tendo já passado a segunda mocidade, tem à sua frente uma velhice sem recursos, para quem, então, a Miss Dollar do conto deve ser “boa inglesa de cinquenta anos, dotada com algumas mil libras esterlinas, e que, aportando ao Brasil em procura de assunto para escrever um romance, realizasse um romance verdadeiro, casando com o leitor aludido”. Vê-se que o narrador de Miss Dollar dispõe de galeria inesgotável de leitores-personagens que faz desfilar pelo texto: ao antecipar uma vez mais interpretações para a personagem-título, ele convoca uma outra imagem de leitor que, lisonjeiramente, qualifica de “Mais esperto que os outros” e cuja esperteza parece consistir na interpretação de Miss Dollar como “brasileira dos quatro costados”, vindo seu nome à conta de sua riqueza: “Miss Dollar quer dizer apenas que a rapariga é rica”. E só depois dessa célere multiplicação de leitores imaginários, incessantemente extraídos de sua algibeira, que, para alívio dos leitores de carne e osso, o narrador cumpre finalmente sua promessa, e desvela a identidade de Miss Dollar: “A Miss Dollar do romance não é a menina romântica, nem a mulher robusta, nem a velha literata, nem a brasileira rica (...) Miss Dollar é uma cadelinha galga”.
Marisa Lajolo. Do mundo da leitura para a leitura do mundo.
São Paulo: Ática 2011, p.56-57 (com adaptações).
Julgue o item que se segue, relativo ao texto precedente, que consiste em uma leitura literária do conto Miss Dollar, de Machado de Assis.
O conto Miss Dollar, de Machado de Assis, traz o leitor para dentro do texto já na primeira linha: “Era conveniente ao romance que o leitor ficasse muito tempo sem saber quem era Miss Dollar” e “sem a apresentação de Miss Dollar, seria o autor obrigado a longas digressões, que encheriam o papel sem adiantar a ação. Não há hesitação possível: vou apresentar lhes Miss Dollar:”. Engana-se, no entanto, a boa-fé de quem acreditar nessas promessas: ao contrário do que apregoara, o narrador entrega-se à volúpia de imaginar diferentes e variados tipos de leitores, cujas previsões sobre a identidade da personagem-título ele antecipa e desmente, valendo-se da autoridade narratorial. Começa refutando a imagem de Miss Dollar como “uma inglesa pálida e delgada, escassa de carnes e de sangue” creditada à imaginação de um “rapaz dado ao gênio melancólico”. Linhas abaixo, o texto inventa um outro leitor, atribuindo a este a imagem de uma Miss Dollar “robusta americana, vertendo o sangue pelas faces, formas arredondadas, olhos vivos e ardentes, mulher feita, refeita, perfeita”. No parágrafo subsequente, o mesmo imaginoso narrador investiga as expectativas de um outro tipo de leitor: daquele que, tendo já passado a segunda mocidade, tem à sua frente uma velhice sem recursos, para quem, então, a Miss Dollar do conto deve ser “boa inglesa de cinquenta anos, dotada com algumas mil libras esterlinas, e que, aportando ao Brasil em procura de assunto para escrever um romance, realizasse um romance verdadeiro, casando com o leitor aludido”. Vê-se que o narrador de Miss Dollar dispõe de galeria inesgotável de leitores-personagens que faz desfilar pelo texto: ao antecipar uma vez mais interpretações para a personagem-título, ele convoca uma outra imagem de leitor que, lisonjeiramente, qualifica de “Mais esperto que os outros” e cuja esperteza parece consistir na interpretação de Miss Dollar como “brasileira dos quatro costados”, vindo seu nome à conta de sua riqueza: “Miss Dollar quer dizer apenas que a rapariga é rica”. E só depois dessa célere multiplicação de leitores imaginários, incessantemente extraídos de sua algibeira, que, para alívio dos leitores de carne e osso, o narrador cumpre finalmente sua promessa, e desvela a identidade de Miss Dollar: “A Miss Dollar do romance não é a menina romântica, nem a mulher robusta, nem a velha literata, nem a brasileira rica (...) Miss Dollar é uma cadelinha galga”.
Marisa Lajolo. Do mundo da leitura para a leitura do mundo.
São Paulo: Ática 2011, p.56-57 (com adaptações).
Julgue o item que se segue, relativo ao texto precedente, que consiste em uma leitura literária do conto Miss Dollar, de Machado de Assis.
O conto Miss Dollar, de Machado de Assis, traz o leitor para dentro do texto já na primeira linha: “Era conveniente ao romance que o leitor ficasse muito tempo sem saber quem era Miss Dollar” e “sem a apresentação de Miss Dollar, seria o autor obrigado a longas digressões, que encheriam o papel sem adiantar a ação. Não há hesitação possível: vou apresentar lhes Miss Dollar:”. Engana-se, no entanto, a boa-fé de quem acreditar nessas promessas: ao contrário do que apregoara, o narrador entrega-se à volúpia de imaginar diferentes e variados tipos de leitores, cujas previsões sobre a identidade da personagem-título ele antecipa e desmente, valendo-se da autoridade narratorial. Começa refutando a imagem de Miss Dollar como “uma inglesa pálida e delgada, escassa de carnes e de sangue” creditada à imaginação de um “rapaz dado ao gênio melancólico”. Linhas abaixo, o texto inventa um outro leitor, atribuindo a este a imagem de uma Miss Dollar “robusta americana, vertendo o sangue pelas faces, formas arredondadas, olhos vivos e ardentes, mulher feita, refeita, perfeita”. No parágrafo subsequente, o mesmo imaginoso narrador investiga as expectativas de um outro tipo de leitor: daquele que, tendo já passado a segunda mocidade, tem à sua frente uma velhice sem recursos, para quem, então, a Miss Dollar do conto deve ser “boa inglesa de cinquenta anos, dotada com algumas mil libras esterlinas, e que, aportando ao Brasil em procura de assunto para escrever um romance, realizasse um romance verdadeiro, casando com o leitor aludido”. Vê-se que o narrador de Miss Dollar dispõe de galeria inesgotável de leitores-personagens que faz desfilar pelo texto: ao antecipar uma vez mais interpretações para a personagem-título, ele convoca uma outra imagem de leitor que, lisonjeiramente, qualifica de “Mais esperto que os outros” e cuja esperteza parece consistir na interpretação de Miss Dollar como “brasileira dos quatro costados”, vindo seu nome à conta de sua riqueza: “Miss Dollar quer dizer apenas que a rapariga é rica”. E só depois dessa célere multiplicação de leitores imaginários, incessantemente extraídos de sua algibeira, que, para alívio dos leitores de carne e osso, o narrador cumpre finalmente sua promessa, e desvela a identidade de Miss Dollar: “A Miss Dollar do romance não é a menina romântica, nem a mulher robusta, nem a velha literata, nem a brasileira rica (...) Miss Dollar é uma cadelinha galga”.
Marisa Lajolo. Do mundo da leitura para a leitura do mundo.
São Paulo: Ática 2011, p.56-57 (com adaptações).
Julgue o item que se segue, relativo ao texto precedente, que consiste em uma leitura literária do conto Miss Dollar, de Machado de Assis.
As abordagens da linguagem do ponto de vista filosófico, estrutural, funcional e até discursivo conservam, de alguma forma, o gesto de Saussure ao considerar na linguagem uma dualidade fundamental: língua/fala, código/mensagem, competência/performance, língua/discurso. Se contestam o objeto da linguística colocado por Saussure, nunca o fazem de uma maneira radical. Mesmo quando buscam, no objeto da linguística, a parte marginalizada por Saussure, a linguagem continua a ser concebida como uma entidade de duas faces: uma formal, constituída pelo “núcleo duro” da língua e uma outra parte por meio da qual a linguagem se relaciona com o mundo pela ação dos falantes.
Essa dualidade da linguagem foi, contudo, duramente contestada pelo filósofo soviético Bakhtin, já no final da década de 20. A oposição que Bakhtin faz a Saussure é radical, se levarmos em conta que a linguagem, para esse filósofo, não se divide em duas instâncias. A enunciação, “a verdadeira substância da língua”, é, para Bakhtin, a síntese do processo da linguagem, o conceito-chave para se entender os processos linguísticos.
Bakhtin afasta-se de Saussure ao ver a língua como algo concreto, fruto da manifestação interindividual, valorizando assim, a manifestação concreta da língua e não o sistema abstrato de formas. E essa manifestação é eminentemente social.
Segundo Bakhtin, o que de fato existe é o processo linguístico, sendo a enunciação o motor da língua: “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”.
Sílvia Helena Barbi Cardoso. Discurso e ensino. 2 ed. Belo Horizonte:
Autêntica/ FALE-UFMG, 2005. p. 24-25. (com adaptações).
A partir das ideias veiculadas no texto precedente, julgue o item que se segue, relativo às concepções de língua, linguagem e interação.
A abordagem de língua proposta por Bakhtin, ainda que se afaste da apresentada por Saussure, compartilha com esta o princípio de que a língua é um fato social.
As abordagens da linguagem do ponto de vista filosófico, estrutural, funcional e até discursivo conservam, de alguma forma, o gesto de Saussure ao considerar na linguagem uma dualidade fundamental: língua/fala, código/mensagem, competência/performance, língua/discurso. Se contestam o objeto da linguística colocado por Saussure, nunca o fazem de uma maneira radical. Mesmo quando buscam, no objeto da linguística, a parte marginalizada por Saussure, a linguagem continua a ser concebida como uma entidade de duas faces: uma formal, constituída pelo “núcleo duro” da língua e uma outra parte por meio da qual a linguagem se relaciona com o mundo pela ação dos falantes.
Essa dualidade da linguagem foi, contudo, duramente contestada pelo filósofo soviético Bakhtin, já no final da década de 20. A oposição que Bakhtin faz a Saussure é radical, se levarmos em conta que a linguagem, para esse filósofo, não se divide em duas instâncias. A enunciação, “a verdadeira substância da língua”, é, para Bakhtin, a síntese do processo da linguagem, o conceito-chave para se entender os processos linguísticos.
Bakhtin afasta-se de Saussure ao ver a língua como algo concreto, fruto da manifestação interindividual, valorizando assim, a manifestação concreta da língua e não o sistema abstrato de formas. E essa manifestação é eminentemente social.
Segundo Bakhtin, o que de fato existe é o processo linguístico, sendo a enunciação o motor da língua: “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”.
Sílvia Helena Barbi Cardoso. Discurso e ensino. 2 ed. Belo Horizonte:
Autêntica/ FALE-UFMG, 2005. p. 24-25. (com adaptações).
A partir das ideias veiculadas no texto precedente, julgue o item que se segue, relativo às concepções de língua, linguagem e interação.
As funções da linguagem predominantes no texto são a referencial e a metalinguística, o que se observa pelo fato de ele ser informativo e o tema nele abordado ser a própria linguagem.
Art. 1.º Fica proibido o uso indiscriminado de celulares e outros dispositivos eletrônicos pelos alunos nas unidades de ensino da rede pública municipal, estadual, federal e privada em todo o território nacional, exceto para os casos de pessoas com necessidades especiais, tais como autistas, entre outras.
Parágrafo Único. Os professores e órgãos fiscalizadores e responsáveis pela educação nacional, estadual, municipal e as instituições educacionais deverão regulamentar o possível uso desses equipamentos quando necessário, através de portaria interna, versando sobre: quando, como e em quais locais e atividades deverão ser utilizados.
Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n.º 246/2024 (em tramitação).
Internet: <camara.leg.br> (com adaptações).
Considerando as ideias e o estilo do texto precedente, bem como as concepções de linguagem, língua e interação, julgue o item a seguir.
Art. 1.º Fica proibido o uso indiscriminado de celulares e outros dispositivos eletrônicos pelos alunos nas unidades de ensino da rede pública municipal, estadual, federal e privada em todo o território nacional, exceto para os casos de pessoas com necessidades especiais, tais como autistas, entre outras.
Parágrafo Único. Os professores e órgãos fiscalizadores e responsáveis pela educação nacional, estadual, municipal e as instituições educacionais deverão regulamentar o possível uso desses equipamentos quando necessário, através de portaria interna, versando sobre: quando, como e em quais locais e atividades deverão ser utilizados.
Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n.º 246/2024 (em tramitação).
Internet: <camara.leg.br> (com adaptações).
Considerando as ideias e o estilo do texto precedente, bem como as concepções de linguagem, língua e interação, julgue o item a seguir.
Em relação a estruturas e recursos de estilo do trecho precedente de Uma galinha, julgue o item seguinte.
O sétimo período do segundo parágrafo poderia ser reescrito, com correção gramatical e sentido equivalente ao original, da seguinte forma: De telhado a telhado, percorreu-se mais de um quarteirão da rua.
Em relação a estruturas e recursos de estilo do trecho precedente de Uma galinha, julgue o item seguinte.
A frase “Estúpida, tímida e livre” (primeiro período do último parágrafo) reúne termos que, organizados em sequência, compõem uma gradação.
Em relação a estruturas e recursos de estilo do trecho precedente de Uma galinha, julgue o item seguinte.
No terceiro período do último parágrafo, a expressão “é que” é expletiva, utilizada apenas por razões estilísticas.
Em relação a estruturas e recursos de estilo do trecho precedente de Uma galinha, julgue o item seguinte.
No primeiro período do segundo parágrafo, o vocábulo “pois” tem sentido conclusivo, sendo equivalente a portanto.
Em relação a estruturas e recursos de estilo do trecho precedente de Uma galinha, julgue o item seguinte.
No sexto período do último parágrafo, estabelece-se, com o uso da vírgula antes a conjunção “como”, uma relação textual de conformidade.
Em relação a estruturas e recursos de estilo do trecho precedente de Uma galinha, julgue o item seguinte.
O último período do segundo parágrafo tem, em relação ao período precedente, sentido aditivo.
Em relação a estruturas e recursos de estilo do trecho precedente de Uma galinha, julgue o item seguinte.
Pela forma como a autora utiliza recursos narrativos ficcionais e factuais, conclui-se que o texto pode ser caracterizado como uma reportagem.
Canção para os fonemas da alegria
Thiago de Mello
Peço licença para algumas coisas.
Primeiramente para desfraldar
este canto de amor publicamente.
Sucede que só sei dizer amor
quando reparto o ramo azul de estrelas
que em meu peito floresce de menino.
Peço licença para soletrar,
no alfabeto do sol pernambucano,
a palavra ti-jo-lo, por exemplo,
e poder ver que dentro dela vivem
paredes, aconchegos e janelas,
e descobrir que todos os fonemas
são mágicos sinais que vão se abrindo
constelação de girassóis gerando
em círculos de amor que de repente
estalam como flor no chão da casa.
Às vezes nem há casa: é só o chão.
Mas sobre o chão quem reina agora é um homem
diferente, que acaba de nascer:
porque unindo pedaços de palavras
aos poucos vai unindo argila e orvalho,
tristeza e pão, cambão e beija-flor,
e acaba por unir
a própria vida no seu peito partida e repartida
quando afinal descobre num clarão
que o mundo é seu também, que o seu trabalho
não é a pena que paga por ser homem,
mas um modo de amar — e de ajudar
o mundo a ser melhor. Peço licença
para avisar que, ao gosto de Jesus,
este homem renascido é um homem novo:
ele atravessa os campos espalhando
a boa-nova, e chama os companheiros
a pelejar no limpo, fronte a fronte,
contra o bicho de quatrocentos anos,
mas cujo fel espesso não resiste
a quarenta horas de total ternura.
Peço licença para terminar
soletrando a canção de rebeldia
que existe nos fonemas da alegria:
canção de amor geral que eu vi crescer
nos olhos do homem que aprendeu a ler.
Thiago de Mello. Faz escuro mas eu canto. São Paulo: Global Editora, 2017.
No último verso da décima segunda estrofe, o emprego do vocábulo “a” justifica-se pela regência do verbo ‘resistir’, expresso sob a forma “resiste”.