A falsa vida no Instagram
Expor-se em fotos na rede é um paliativo para a
mediocridade.
Walcyr Carrasco - 14 fev 2020
Estou no aeroporto. Uma mulher pede uma selfie. Faço a pose.
Sorrio. Essa cena acontece principalmente quando estou com
uma novela de sucesso. Eu me pergunto: para que servem os
milhões de selfies clicadas diariamente? Bem, para postar. A foto
dá a impressão de intimidade. Mas nem nos conhecemos. A
maioria avassaladora das pessoas que postam selfies com
famosos não conhece ninguém. São imagens arrancadas, às
vezes em situações horríveis. Certa vez, em Belo Horizonte, meu
voo estava sendo chamado. Eu entrando no banheiro às pressas.
Uma senhora me parou para fazer selfie, tentei me safar, ela
insistindo… Enfim… Imaginem a situação. Tive de sorrir e me
deixar fotografar! O pior é que não sei com quem estou dando um
clique. Se for parar num tribunal e disser que não conheço a
pessoa, haverá uma selfie! Esse mundo digital cria uma falsa
impressão de intimidade!
Abro o Instagram e o que vejo? Muita gente com famosos, mais
famosos que eu, óbvio. A vida de um Neymar deve ser um
martírio! Também há os turistas deslumbrados. Sinto “vergonha
alheia” ao ver tantos amigos postando fotos de viagem como se
fossem a última bolacha do pacote. Vamos combinar. Quem
precisa de mais um retrato de alguém no Coliseu? Ou na Torre
Eiffel? Recentemente eu estava com um amigo, seu filho e primo
adolescentes no templo budista Zu Lai, em Cotia, São Paulo. É
um lindo santuário, com escadarias, pátios, esculturas. Todos
tirando selfies e fazendo poses. De repente, percebi: ninguém
estava olhando o templo! Só clicando. Postar era mais importante
que a experiência em si.
Outra tendência são as mulheres seminuas e os rapazes de
músculos à mostra. No passado, as revistas masculinas pagavam
fortunas às mulheres para que ficassem nuas. Hoje é de graça, e
as modelos são donas de casa, executivas… Só não há nus
absolutos porque o próprio Instagram proíbe. Um amigo
desempregado, já maduro, mas com músculos bem desenhados,
postava uma foto de praia atrás da outra. Foi fazer uma entrevista.
O possível chefe reclamou dos posts. Disse serem ruins para um
candidato a cargo de direção. Apavorado, ele parou de postar.
Duas semanas. Já está postando tudo de novo. Atenção: quem
oferece uma vaga sempre verifica o candidato nas redes sociais.
É um risco para o currículo. Fico imaginando a vida dos rapazes
que postam fotos de si próprios em academias ou na praia, como
pavões. Na real, contam os centavos, levam fora da namorada…
Há quem poste batatinhas gordurosas orgulhosamente, como se
fossem alta gastronomia. E ah… por que tanta gente faz questão
de postar seus cachorrinhos? Felicidade igual au-au?
O Instagram é uma narrativa. As pessoas criam uma ficção da
própria vida. Histórias de intimidade com famosos, de viagens, de
alta moda, de gastronomia. Sentem-se mais interessantes,
desejáveis. Os posts são um paliativo para a mediocridade de seu
dia a dia. Postar virou um vício. Em que realmente acreditam? Em
seu trabalho, relações? Ou na personagem criada no Instagram?
Tornar a vida uma ficção só pode dar errado.
Publicado em VEJA de 19 de fevereiro de 2020.