O perigo da fragmentação da atenção
É desejável ter algum controle sobre o uso de celulares em
sala de aula?
Publicado em 30/08/2024 | Por Milena Buarque, jornalista e apresentadora do
podcast SinproSP no Ar
Comum em tempos de smartphones e acesso instantâneo a
informações, o comportamento multitarefa, por vezes enaltecido
entre adultos, é uma prática que pode estar facilmente atrelada à
dispersão da atenção reforçada por esses mesmos dispositivos.
Comprometendo a capacidade de concentração dos alunos, o
uso indiscriminado do celular na escola, principalmente na sala
de aula, representa um dos maiores desafios enfrentados pelos
professores.
Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de
Alunos (Pisa) — exame aplicado pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) —, mais de
45% dos estudantes brasileiros afirmam que o uso de dispositivos
móveis interfere na concentração, especialmente em disciplinas
como matemática. O índice aponta, também, o Brasil como o
sexto país com a maior taxa — 40,3% — de alunos que afirmam
se dispersar quando OBSERVA/OBSERVAM o uso do
equipamento por um outro colega. No auge da conectividade, é
possível ter algum controle sobre o uso de celulares em sala de
aula?
“Concentração dispersa”
“A presença física nunca foi a garantia de que os alunos
iriam focar a atenção nos objetos estudados. (…) Se professores
e os alunos estão com os focos de atenção para o mesmo objeto,
a chance de as informações serem obtidas, inclusive por meio
dos aparelhos digitais, e serem articuladas e relacionadas entre
si, com seus contextos históricos, possibilita suas transformações
em conceitos, gerando produção de conhecimento. Mas se a
atenção for fragmentada em vários objetos, aí não existe mais
aula”, avalia Antônio Álvaro Soares Zuin, psicólogo pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto
(FFCLRP) da USP e professor do Departamento de Educação da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Em entrevista ao SinproSP No Ar, podcast quinzenal
produzido pelo Sindicato dos Professores de São Paulo, o
especialista destaca o que ele chama de “concentração dispersa”
como um dos maiores problemas associados ao comportamento
vicioso — e tão corriqueiro — da checagem constante ao celular.
Quando permitido durante o período de aulas, o
comprometimento do processo de aprendizagem é certeiro.
Não basta restringir o uso de celular na escola
Na avaliação de Zuin, autor de “Fúria narcísica entre alunos
e professores: as práticas de cyberbullying e os tabus presentes
na profissão de ensinar” (ed. Universitária da UFSCar), ainda que
não se VISLUMBRE/VISLUMBREM uma possibilidade efetiva de
controle, acordos podem ser estabelecidos entre professores e
alunos — o pesquisador é adepto da prática quando está em sala
de aula — e as escolas devem se envolver, limitando o acesso a
aplicações e sites pela rede wi-fi das instituições. A simples
restrição a dispositivos, portanto, não resolve a questão.
“Na sociedade atual, em que temos acesso à informação em
qualquer lugar e qualquer tempo, não há mais uma possibilidade
de controle em relação a isso, que ocorria antes da chamada
Revolução Microeletrônica. Na medida em que os professores e
os alunos estão juntos, na análise de um determinado objeto, o
professor ou a professora se sente também estimulado a rever
seu ponto de vista sobre determinado assunto”, afirma Zuin.
Apesar dos desafios — que compreendem, ainda, a
perseguição a professores por meio de práticas de cyberbullying,
em que docentes TEM/TÊM suas imagens gravadas,
manipuladas e postadas nas redes sociais —, o pesquisador
destaca alguns aspectos positivos do uso dos celulares em
classe, quando orientado de forma pedagógica.
O acesso imediato à informação pode gerar reflexões
valiosas e aumentar o engajamento dos estudantes, promovendo
um aprendizado mais colaborativo. “Permanecer desconectado
não é uma atitude fácil. Com o acesso a esses dispositivos, há
uma possibilidade incrível de desenvolver uma série de insights
em conjunto que provavelmente iriam se perder.”
Em um cenário ______ conectividade é inevitável, a chave
está em transformar a tecnologia em uma aliada na construção
do conhecimento.
BUARQUE, Milena. O perigo da fragmentação da atenção. Revista Educação,
30 de agosto de 2024. Olhar pedagógico Disponível em: https://revistaeducacao.com.br/2024/08/30/celular-na-escola-nota/.
Acesso em: 31 ago. 2024. Adaptado.