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ORGANIZAÇÕES DE PROSTITUTAS*
Desde meados da década de 1970, o trabalho
sexual tem se mostrado como um fator de
organização de base para mulheres, homens e
transgêneros em diferentes partes do mundo. Mas é
nas décadas de 1980 e 1990 que emergem os
principais grupos e organizações dos direitos das
prostitutas na Europa Ocidental e nos Estados
Unidos, como um movimento verdadeiramente
autoidentitário destas mulheres. Não obstante, as
trabalhadoras sexuais do Terceiro Mundo e de outros
países não-ocidentais já estavam também ocupadas,
agindo e se manifestando contra injustiças,
demandando direitos humanos, civis, políticos e
sociais – como no Equador em 1982; no Brasil em
1987 e no Uruguai em 1988.
No Brasil, as organizações e associações de
prostitutas espalhadas pelo país se encontram, em sua
grande maioria, articuladas em redes, como a Rede
Brasileira de Prostitutas, de ação no âmbito nacional;
e a Federação Nacional das Trabalhadoras do Sexo,
cuja atuação tende a concentrar-se na região nordeste
do país. Cabe mencionar que esse movimento social
não tem um caráter homogêneo. As ações dos grupos
organizados de prostitutas se desenvolvem em um
contexto marcado por diferentes posições frente à
problemática da prostituição e, no que se refere a
esses grupos, eles assumem posturas diferentes em
termos dos principais pontos a serem reivindicados.
As posições divergentes aparecem
principalmente em relação à discussão sobre
regulação/legalização da atividade. A Rede Brasileira
de Prostitutas defende a regulamentação da
prostituição, ou seja, aposta no reconhecimento da
prostituição como profissão, em que a
descriminalização em torno da atividade possa
fornecer instrumentos legais capazes de combater a
exploração que sofre a prostituta. A Federação
Nacional das Trabalhadoras do Sexo assume uma
postura de ressalva em relação à legalização,
alegando que ela concederia ainda mais poder aos
empresários da indústria do sexo, aumentando a
vulnerabilidade das prostitutas.
Quanto à questão do tráfico, nas (poucas)
ocasiões em que representantes dessas organizações
participaram dos grandes debates públicos, as
intervenções provocaram tensões. O motivo é que a
Rede Brasileira de Prostitutas percebe a discussão
sobre tráfico de pessoas como mais uma maneira,
referendada pela opinião pública, de combater a
prostituição. Nesse sentido, o fato de que algumas
organizações de prostitutas se insiram no movimento
de combate ao tráfico, estimuladas pelo apoio de
agências transnacionais de financiamento, aparece
como um ponto de tensão entre as trabalhadoras do
sexo.
Evidencia-se que no contexto da prostituição
feminina há relações marcadas por diferentes
momentos de ruptura e continuidade, simultâneas,
que têm impactos diversos. Por um lado, permite a
criação de um sujeito coletivo com capacidade de
vocalizar suas demandas, como é o caso na questão
da epidemia da AIDS; e de outro continuam sendo
desconsideradas, quando o assunto é a legalização da
prostituição, ou tráfico de pessoas, por exemplo. O
que se percebe, então, é o clima de tolerância que
existe sobre a prostituição, que passa a ser melhor
incluída no cenário nacional, mas não as prostitutas,
alvo permanente de violência e preconceitos.
A dificuldade de dissociar tráfico e
prostituição não apenas se tornou um interessante fato
histórico a ser registrado, como aponta para questões
mais abrangentes e pertinentes que precisam ser ainda
mais exploradas, uma vez que atingem cenários e
atores que são, frequentemente, ignorados, ou quando
abordados, são mal interpretados. O fato é que o
fenômeno do tráfico para a prostituição tem recebido
muito mais atenção nas pesquisas realizadas sobre o
tema do que o tráfico em outros setores. Pode-se
afirmar que esse fato tampouco é novidade quando se
pensa nas pesquisas realizadas no século passado.
Contudo, aponta para a dificuldade de se
sustentar empiricamente a afirmação de que o tráfico
é mais intimamente ligado à prostituição ou à
indústria do sexo do que para qualquer outro setor
econômico; pois a falta de pesquisas mais extensas
sobre o tráfico para a agricultura, indústria, comércio,
construção, trabalho doméstico, entre outros, além de
não gerar nenhum parâmetro comparativo, só
fortalece a ideia de que prostituição e tráfico são (e
sempre foram) analiticamente e empiricamente
associados.
Neste sentido, a (íntima) relação entre tráfico
e prostituição permite e justifica um trabalho de
pesquisa mais extenso que aborde a perspectiva do
coletivo de prostitutas com relação a um fenômeno
que se insere, de certa forma, no seu modo de vida. E
que inclua na discussão a interlocução entre o tráfico
para o comércio sexual com outras formas de tráfico,
como o doméstico, na medida em que ambas
envolvem a participação de mulheres oriundas da
América Latina.
(Extraído [e atualizado conforme o Acordo Ortográfico vigente]
de: Andreia Skackauskas Vaz de Mello (2009). As
organizações de prostitutas no Brasil e o tráfico
internacional de pessoas. XXVII Congreso de la Asociación
Latinoamericana de Sociología. VIII Jornadas de Sociología de
la Universidad de Buenos Aires. Asociación Latinoamericana
de Sociología, Buenos Aires, páginas: 8-10).
* Este título é o mesmo da seção do artigo do qual o texto aqui
exposto foi extraído.