Bloqueio de comunicação:
A timidez é um problema que atinge um contingente
imenso da população mundial. Todos podem ficar
inibidos em alguma situação, mas há casos mais
graves, que levam a pessoa à frustração
Existem exemplos surpreendentes de tímidos
famosos. A cantora Cássia Eller, por exemplo, tinha uma
performance de palco intensa e ousada, chegando,
algumas vezes, à levantar a blusa e mostrar os seios ao
final das apresentações. No entanto, era tímida a ponto
de ter medo de entrevistas.
Segundo Sérgio Savian, que há 22 anos
trabalha com terapia corporal e já está no sexto livro
(Emoções, Editora Celebris) sobre questões ligadas a
relacionamentos amorosos, casos como o da cantora
são bastante comuns. "Enquanto a pessoa está no papel
profissional, vai bem", explica. "Mas fica tímida quando
enfrenta outras situações."
É fácil reconhecer um tímido ou uma tímida:
eles falam baixinho, não conseguem olhar nos olhos;
muitas vezes, têm uma postura encurvada, transpiram
em excesso, dão respostas monossilábicas e podem
ficar com as mãos geladas em algumas situações.
Os especialistas dizem que toda essa inibição é
resultado de uma autocrítica exagerada, aliada à
insegurança e a uma autoestima muito frágil, insuficiente
para contrabalançar a equação que nos leva a agir com
firmeza nas situações reais. O resultado: alto nível de
frustração pela falta de realizações plenas. "O tímido tem
muita dificuldade em lidar com críticas, então, cria
bloqueios de comunicação para não ser criticado."
Uma situação típica: o tímido vai ao cinema ou a
uma festa e tem a impressão de que todas as pessoas
presentes param para observá-lo. Essa supervalorização
de si mesmo, às vezes tem relação com um “alto grau
de narcisismo”, segundo a opinião de Savian.
Por causa de sua postura introvertida, o
indivíduo tímido também pode se passar por arrogante.
Acaba perdendo a naturalidade porque tem essa atitude
extremamente autocentrada. "São conscientes de cada
ato que praticam, todo gesto é ensaiado", diz Savian. "A
cura passa pela volta da espontaneidade."
E qual seria a causa para tamanho bloqueio de
comunicação? "Podem ser traumas de infância, críticas
negativas ou, ainda, uma situação de deboche que ficou
gravada no inconsciente", afirma Savian. "Uma questão
do passado com a qual não se soube lidar pode acionar
a timidez no presente."
Há um exemplo claro de um de seus clientes.
Toda vez que ele tem uma reunião em grupo, tem medo
de falar bobagem. Com técnicas de regressão, lembrou
que, um dia, uma professora o colocou na "fileira dos
burros", embora ele tivesse absoluta consciência de que
aquele lugar não equivalia à sua inteligência. Ele pulou a
janela e foi para casa. Essa experiência traumática fazia
com que tivesse medo perante situações coletivas: ele
temia falar "asneira" e sofrer uma punição em seguida.
Por incrível que pareça em sua experiência
profissional Savian encontrou muito mais homens
tímidos do que mulheres. Mas a verdade é que todos
nós temos nossas inibições. "A pessoa, às vezes, se dá
bem profissionalmente, faz novas amizades, mas trava
quando o assunto é relacionamento amoroso." E há
aqueles que têm um temperamento introvertido por
natureza: gostam de ficar sozinhos e falam pouco, mas
estão felizes nessa situação. O problema ocorre quando
o indivíduo quer se comunicar e não consegue.
Mas que não se desesperem os tímidos, pois há
várias saídas para solucionar o problema. "O primeiro
passo é reconhecer a timidez", aponta Savian. Nas
sessões, ele pede para o paciente escrever suas dez
principais vergonhas e, ao lado de cada uma, localizar o
momento em que ela começou. A doutora Susan Leibig,
do Instituto de Engenharia Humana, acrescenta
pontuações de 1 a 10 para o nível de vergonha que se
sente diante de cada situação descrita. "Comece
enfrentando as de nível 1 ou 2 e, depois, vá para as
mais intensas." Depois do reconhecimento das
inseguranças, Savian coordena "vivências de
aconchego" para fortalecer a autoestima das pessoas. A
partir disso, é trabalhada a capacidade de se defender
do mundo, numa espécie de laboratório de situações.
Agora, para quem não pode fazer terapia
corporal ou psicoterapia convencional, Savian
recomenda cursos de arte, especialmente o de teatro,
aulas de dança e coral. Para aqueles que têm vergonha
de falar em público, o conselho é a repetição da
experiência. "O melhor é começar falando para uma
pessoa, depois, para duas, cinco", aconselha. "De
repente, ela estará gostando de discursar para uma
plateia de 20 ou 30 pessoas."
CASO, Fabiana. Bloqueio de comunicação. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 17/18 maio 2003,
Suplemento Feminino, p. F5.