O que você perde em viver, escrevinhando sobre a
vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se
faz sem você, porque com você não é possível contar. Você
esperando que os outros vivam para depois comentá-los com a
maior cara-de-pau (“com isenção de largo espectro”, como diria
a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais).
Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua
divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim,
como se fosse Deus, rei proprietário do universo, que escolhe
para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um
adultério grego – às vezes nem isso, porque no painel imenso
você escolhe só um besouro em campanha para verrumar a
madeira. Sim, senhor, que importância a sua: sentado aí, camisa
aberta, sandálias, ar condicionado, cafezinho, dando sua opinião
sobre a angústia, a revolta, o ridículo, a maluquice dos homens.
Esquecido de que é um deles (Carlos Drummond de Andrade –
Hoje não escrevo).