INSTRUÇÃO: Leia, com atenção, o texto 01 e, a seguir, responda a questão que a ele se refere.
Texto 01
Qual a altura do céu?
Bruna Lauer
Uma mulher que, no auge dos seus 30 e poucos, carrega em seu currículo uma página no Instagram de sucesso,
um podcast de sucesso, um livro de sucesso, inspira milhares de pessoas e, ainda, confessa querer mais. Dizem que o
céu é o limite e fico me perguntando qual seria a altura do céu de cada um. O dela me parece ser bem alto e, inclusive,
faz sentido.
Com tanta vida pela frente, é preciso haver espaço para crescimento e conquistas que a motivem a ir além. Mas
escutando uma entrevista com a empreendedora, ela confessa ter vivido uma recente crise de pânico devido à sobrecarga
de sua agenda de trabalho, além de lidar com uma gastrite crônica. E fico imaginando se não deveria ser o corpo esse tal
limite.
Será que é a hora de discutirmos até onde vai este céu? Estamos cercados de histórias de pessoas que “deram
certo”, muitas vezes assistindo a seus voos acrobáticos, desconhecendo as horas de treino e, o pior, o que de mais
acontece em terra firme. Como escritora e comunicadora, via naquela carreira cheia de conquistas uma inspiração.
Queria que a minha voz também chegasse assim, tão longe. Mas, ao ter acesso aos bastidores, após eu mesma
ter passado por uma crise de ansiedade, uma infecção hospitalar e um câncer de mama, não senti vontade de
experimentar suas asas.
Acreditamos que sucesso seja este voo alto e bonito que olhamos com os dois pés no chão, apenas imaginando
como seria estar ali. Mas hoje, ao pensar nesse tema, quem me vem à mente é meu amigo Carlinhos. Você provavelmente
nunca ouviu falar dele, um morador da zona rural de Monteiro Lobato, que trabalha na roça e vive com sua esposa e filho
no local em que nasceu.
Nunca saiu do chão e, mesmo assim, é nele que penso. Me sinto inspirada por sua forma íntegra de agir e viver
em harmonia com a natureza, por sua sabedoria aprendida com os mais velhos e sua generosidade em nos
ensinar. Carlinhos diz não precisar de mais nada, pois sabe que já tem o bem mais caro: liberdade. Claro que sua vida
também não é perfeita, inclusive porque apenas vidas imperfeitas podem ser reais e possíveis de serem sustentadas por
anos.
Ainda assim, se precisasse escolher, preferiria seu par de asas quebrado. Quantos exemplos de uma vida
equilibrada e, em certa medida, feliz, estão caminhando anonimamente pelas ruas do seu bairro e você nunca os notou?
Pessoas que poderiam nos inspirar, não pela altura de suas conquistas, mas pelo resultado de todos os anos vividos.
Histórias desconhecidas que, exatamente pela falta de algo para exibir, sejam plenas na mesma medida em que
pareçam desinteressantes para os nossos olhos que se viciaram em olhar para o alto, buscando voos ornamentais sem
parar.
Me lembro de uma citação de Clarice Lispector, de Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (Rocco), que diz
“De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum, era sempre extraordinário. E que a ela cabia sofrer o dia
ou ter prazer nele. Ela queria o prazer do extraordinário que era tão simples de encontrar nas coisas comuns: não era
necessário que a coisa fosse extraordinária para que nela se sentisse o extraordinário”. Refletindo sobre isso, o céu do
Carlinhos pode parecer baixo para muitos. Fico me perguntando se este céu bem baixinho não seja exatamente a melhor
forma de estar mais perto do que é divino.
Disponível em: https://vidasimples.co/colunista/. Acesso em: 22 maio 2024.