O plano chinês para monitorar – e premiar – o
comportamento de seus cidadãos
Imagine que todas as suas atividades e
comportamentos são monitorados e pontuados em uma
grande base de dados nacional: desde sua informação
fiscal, até o tempo que você passa jogando videogame.
O cenário acima poderia ter saído do romance
clássico de George Orwell, 1984, em que os cidadãos
estão sempre sob vigilância de uma entidade chamada de
"o grande irmão". Lembra também um episódio da série
de TV Black Mirror, no qual cada atividade dos
personagens rende "pontos" em um futuro distópico. Mas
não é ficção. Esta é uma política de Estado em
planejamento na China.
O governo chinês está construindo um
onipresente "sistema de crédito social", através do qual o
comportamento de cada um dos seus 1,3 bilhão de
cidadãos será pontuado em uma espécie de ranking de
confiança.
Por enquanto, trata-se de um projeto piloto do
qual participam oito companhias chinesas. Com a
autorização do estado, elas emitem suas próprias
pontuações de "crédito social".
Mas até o ano de 2020, todos os chineses estarão
obrigatoriamente inclusos nesta enorme base de dados, e
receberão pontuação de acordo com sua conduta.
Por enquanto, o projeto existe em formato piloto
mas a ideia do governo é tê-lo em breve como ferramenta
aplicável a todos os cidadãos.
Em um longo documento de 2014, o Conselho
de Estado chinês explica que o plano do crédito social
visa "forjar um ambiente na opinião pública em que a
confiança será valorizada", acrescentando que "o sistema
recompensará aqueles que reportarem atos de abuso de
confiança". A base de dados nacional concentrará uma ampla
variedade de informações sobre cada cidadão. Será
possível saber se uma pessoa paga seus impostos e
multas em dia, se seus títulos acadêmicos são legítimos,
etc.
Haverá também um grande grupo de pessoas que
passará por um escrutínio ainda mais pesado,
dependendo da profissão que exercem. A lista inclui
professores, contadores, jornalistas, médicos e guias
turísticos.
Críticos do projeto classificam o sistema de
crédito social como "um pesadelo" e "orwelliano".
Mas há quem acredite que um sistema como este
é necessário na China.
Os sistemas de crédito constroem confiança
entre os cidadãos, defende Wen Quan, uma blogueira que
escreve sobre temas de tecnologia e finanças.
"Sem um sistema, um estelionatário pode
cometer um crime em um lugar e logo depois fazer o
mesmo em outra região do país. Os sistemas de crédito tornam público o histórico de uma pessoa. (O sistema)
construirá uma sociedade melhor e mais justa", diz ela.
Uma das empresas que participa do projeto
piloto é a Sesame Credit, a ala financeira do site de
vendas online Alibaba, o maior do mundo hoje.
A empresa usa sua gigantesca base de dados de
consumidores para criar rankings de "crédito social". A
escala é alimentada pelas transações financeiras feitas
com o sistema de pagamentos do Alibaba.
A companhia não divulga exatamente como
calcula a pontuação de cada cliente, dizendo que se trata
de um "algoritmo complexo".
As autoridades chinesas monitoram o andamento
do projeto piloto de forma muito cuidadosa. O sistema
do governo não funcionará exatamente como o das
empresas privadas, mas adotará características dos
algoritmos desenvolvidos pelas empresas privadas.
Por enquanto, a participação no projeto é
voluntária, mas a Sesame divulga o cadastro enfatizando
os benefícios de obter um bom "crédito social". A
empresa incentiva seus clientes a compartilhar a boa
pontuação com os amigos e inclusive com potenciais
pares românticos.
Pontuar bem no programa dá acesso a uma série
de benefícios, desde descontos em hotéis ou aluguel de
carros até acesso a apólices de seguro ou a obtenção mais
célere de vistos.
Mas o que acontece quando a pontuação é ruim?
Esta é a parte "preocupante", segundo Rachel Botsman,
autora do livro "Who Can You Trust" (algo como "Em
quem você pode confiar", em uma tradução livre). A obra
trata do sistema de crédito social da China.
"Se a sua pontuação de confiança cai abaixo de
certo nível, toda a sua vida pode ser impactada. Desde a
escola que seus filhos poderão frequentar até os
empregos que você poderá escolher e o tipo de
empréstimo bancário que você poderá obter", disse
Botsman em um programa televisivo co-produzido pela
BBC.
"As transgressões podem ter ocorrido na sua
vida, mas o seu comportamento poderia ter impacto em
seus filhos ou netos durante décadas", diz Botsman.
(BBC mundo. Adaptado. https://www.bbc.com. Acesso em
16/05/2023)