Festejando no precipício
Gregório Duvivier
Quando pequeno, a primeira coisa que fazia ao
comprar uma agenda era escrever em letras garrafais no
dia 11 de abril: "MEU NIVER". Depois ia pro dia 11 de
março: "FALTA UM MÊS PRO MEU NIVER". E depois
me esquecia da existência da agenda, até porque não tinha
muitos compromissos naquela época. Tenho umas
cinco agendas que só contêm essas duas informações fundamentais.
O aniversário era o grande dia do ano, a maior
festa popular do planeta, um Natal em que o Jesus era eu.
Pulava da cama e marcava minha altura no batente da
porta. Era o dia de comemorar cada milímetro avançado
nessa guerra que travo desde pequeno contra a gravidade.
Meu pai abria a porta: "Hoje a gente vai pro lugar
que você quiser". "Oba! Vamos pro Tivoli Park!"
"Não, filho, pro Tivoli Park não." "Mas você falou qualquer
lugar." "No Tivoli Park tem assalto no trem fantasma."
Era um argumento forte.
Acabava me levando pro clube, e depois minha
mãe dava uma festa lá em casa na qual eu era o centro das
atenções e podia comer brigadeiro e tomar litros de refrigerante
— ambos artigos proibidos, classificados como
"porcaria" — e assistir ao show do meu artista predileto
— o mágico Almik. Na hora do parabéns, me escondia
debaixo da mesa quando cantavam "Com Quem Será?",
mas até que gostava da ideia de que um dia alguém talvez
fosse querer se casar comigo. Para um garoto com cabelo
de cuia e uma dentição anárquica, um relacionamento
amoroso era um sonho tão distante quanto um McDonalds
dentro de casa. O tempo passou e a verdade veio à
tona: ambas as coisas talvez sejam possíveis, mas será
que são desejáveis?
Hoje faço trinta. Dizem que com o passar dos
anos deixa de fazer sentido comemorar o passar dos anos.
Afinal, cada ano a mais é um ano a menos e na vida adulta
não há nem mais a esperança de crescer algum centímetro. No batente da porta, estacionei no 1.69 m, entre
minha prima Helena e minha irmã Barbara. Para piorar, o
Brasil tá um caos, todo o mundo se odeia, e a temperatura
do mundo não para de esquentar.
Lembro que a revista "The Economist" ficou
chocada que o Brasil teria Carnaval mesmo na crise —estaríamos
"festejando no precipício". A revista pode entender
de crise, mas não entende nada de Carnaval — acha
que serve para comemorar a opulência. Toda festa boa
serve pra esquecer, nem que seja por um momento, o precipício.
Debaixo da mesa do bolo, a felicidade parece tão
possível, tão desejável.
Disponível em: .
Acesso em:<http://1.folha.uol.com.br/colunas/gregorioduvivier/2016/04/1759507-festejando-no-precipiicio-.shtm,> 11 abr. 2016.