Crônica para fazer hora
Leon Eliachar
1º Bom mesmo é viver salteado, dia sim, dia
não. A gente viveria menos, mas viveria melhor.
Pelo menos, um pouco mais descansado. Não
acrescentar nada do ontem para o hoje nem esperar
nada do hoje para o amanhã; a verdadeira pausa.
Seria como se deixasse o relógio sem corda, durante
vinte e quatro horas; os números estariam ali, nos
mesmos lugares, e voltariam a funcionar
normalmente no dia seguinte. Pouparia um pouco o
desgaste da máquina, daria folga aos ponteiros,
nesse rotina irremediável que marca as horas, os
minutos e até os segundos – dividindo a liberdade do
homem que se diz livre.
2º O homem é um prisioneiro do tempo, vive
algemado ______ relógio de pulso. No dia em que
decidi me libertar do tempo, joguei fora o meu
relógio. Mas ninguém imitou o meu gesto e minha
situação piorou: agora estou preso _____ relógio dos
outros. O homem traz no pulso um relógio como o
detento traz no peito um número: nenhum dos dois
pode ir tão longe quanto pensa. Quem tem relógio
tem a vantagem de atrasar ou adiantar o tempo,
conforme as suas conveniências.
3º O relógio é uma convenção social como
outra qualquer, porque o que é tarde para um é cedo
para outro e o que é cedo para outro é tarde para um.
As horas oscilam de acordo com o temperamento de
cada pessoa e não de cada relógio. Só a “meia-noite”
é pontual, pode conferir: meia-noite nunca é antes
nem depois de meia-noite. O relojoeiro é o único
sujeito que consegue desenguiçar o tempo. Com
apenas doze números o homem vive uma eternidade,
O pêndulo nos dá _____ sensação de que o tempo
passa e volta atrás pra passar de novo. O relojoeiro
que conserta despertadores dorme _____ prestação.
Os ponteiros do relógio são a bússola do homem
civilizado: o pequeno lhe indica para onde deve ir, o
grande lhe diz se deve ir devagar ou depressa.
ELIACHAR, Leon. O homem ao cubo. 6. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves,
1979. p. 55-6.