Manchetes
Sírio Possenti
[1] Ler manchetes é uma aventura. Jornais têm
um contrato com seus leitores, dizem estudiosos
do discurso. O fundamental é o da veracidade: o
leitor deveria poder acreditar que o que lê no
jornal é verdadeiro. Trata-se de uma "verdade"
precária, de fato. Não sei o que seria dos
historiadores se sua única fonte fosse a mídia.
Ainda bem que podem analisar as guias de
importação e de exportação e outros
documentos.
[2] Além de acharem que sustentam esse
contrato, jornalistas são levados a crer que as
línguas podem ser exatas: bastaria alguma
competência e um pouco de caráter para tornar
as notícias objetivas. Ledo engano. É claro que
línguas, às vezes, podem ser objetivas. Melhor
dizendo: alguns textos podem até ser objetivos,
considerado um contexto histórico e um
conjunto de pressupostos.
[3] Mas os jornais parecem fazer um esforço
especial para dar trabalho aos leitores. Uma das
manchetes da Folha de 8/11/2011, por exemplo,
é "DILMA NOMEIA PARA VAGA DO SUPREMO
GAÚCHA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO
TRABALHO". Um estudioso de processamento
mental de sequências mais ou menos "simples"
testaria esta manchete contra esta outra: DILMA
NOMEIA GAÚCHA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO
TRABALHO PARA VAGA DO SUPREMO. Creio que
obteria resultados interessantes sobre maiores
ou menores dificuldades de interpretação de
estruturas mais ou menos "diretas".
[4] Mas uma manchete desse tamanho é um
escândalo - quase não é manchete. Um chefe [de
redação] poderia propor DILMA NOMEIA
GAÚCHA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
PARA O SUPREMO, deixando para o leitor a
"descoberta" de que se trata de preencher uma
vaga.
[5] Parênteses: ritmo e relevância deveriam ser
os traços fundamentais da manchete: MORRE
AOS 67 ANOS JOE FRAZER, LENDA DO BOXE
MUNDIAL, na Folha do dia 9/11/2011, é o fim da
picada! Por que não "MORRE JOE FRAZER,LENDA DO BOXE"? Alguém vai achar que é
brasileiro? E por que informar a idade na
manchete, a não ser que fosse de relevância
extrema?
[6] O jornal gosta de correr riscos. Em outro
caderno, cravou EMBRAER É ALVO DE
PROTECIONISMO NOS EUA. A xícara parou a
meio caminho. Me perguntei se era isso mesmo:
o que poderia significar "alvo de protecionismo"?
Os EUA estariam protegendo a Embraer? Não
podia ser isso, não porque esse não pudesse ser
o sentido da manchete. Simplesmente, achei que
o fato seria incompatível com posições
americanas típicas.
[7] Ser alvo de protecionismo significa,
considerado o texto, que a Embraer é atacada
para que empresas americanas sejam
protegidas. Ou seja, empresas americanas são
objeto de protecionismo. A Embraer ser alvo
significa que é combatida com medidas de
proteção (protecionistas) a suas concorrentes?
[8] O texto informa que a Embraer está sendo
combatida nos EUA para que não vença uma
licitação. Ou seja, os EUA estão protegendo
companhias americanas (na verdade, atacando a
Embraer). O protecionismo dos EUA é a proteção
de suas empresas.
[9] Peço ajuda aos universitários...
Disponível em <http://terramagazine.terra.com.br> (adaptado).