Considere a crônica a seguir, escrita por Rubem Braga, para responder à questão.
Boa educação
Um jornal está fazendo uma campanha a favor das boas maneiras. Eu não sou propriamente o que se
convencionou chamar “uma dama”, e até hoje um amigo meu ri muito quando lembra que fui fazer uma
reportagem perigosa e difícil confiando em minha simpatia pessoal, quando, em seu entender, o meu tipo é mais
daqueles que inspiram a outras pessoas a frase “não sei, mas não vou com a cara daquele sujeito”. No fundo,
está visto, sou uma flor. Mas a questão que se levanta não é de fundo, é exatamente de forma.
O jornal tem razão, o carioca, outrora alegre e gentil, virou grosseiro e irritadiço. Sai de casa pela manhã
como se não vivesse entre um povo cristão em uma cidade bonita, sai disposto a enfrentar sua batalha do Rio
de Janeiro de todo o dia. Mantém para com o colega de bonde, ônibus ou lotação uma atitude de “neutralidade
antipática” e para com o motorista ou cobrador de “beligerância em potencial”. Não cede o lugar a nenhuma
senhora e defende a tese de que todas as senhoras e senhoritas vão à cidade apenas comprar um carretel de
linha: e quando cede o lugar a uma bonita acha que adquiriu com isso o direito de ser louca e imediatamente
amado pela mesma.
O chofer considera a todo colega um “barbeiro” e todo pedestre um débil mental com propensão ao
suicídio. O garçom irrita-se porque o freguês tem a ousadia de lhe pedir alguma coisa e cada freguês acredita
ter o privilégio de ser servido em primeiro lugar. Em resumo: o próximo, a quem outrora chamávamos de
“cavalheiro”, é hoje “um palhaço”.
Há muitas explicações para isso; a crise é a principal. Mas essa crise é também uma crise de confiança.
Um homem que se disponha a ser delicado acaba suspeito. E um sujeito que “não se impõe”, isto é, não tem
importância, podemos tranquilamente tratá-lo com desaforo. Quanto às damas, elas se habituaram a ver em
qualquer gesto de cortesia uma tentativa de abordagem.
Qual é o remédio? Eu proporia uma série de exemplos vindos do alto, isto é, do governo. Não digo que o
funcionário atrás do guichê fosse obrigado a nos receber com um sorriso encantador, nem que os rapazes do
Socorro Urgente saltassem do carro com saquinhos de jujuba na mão para distribuir pelos transeuntes – mas
também não precisavam rosnar nem dar pancadas antes de saber o que há. Esses são os exemplos que nos
dá, diariamente, o Poder Executivo; quanto ao Legislativo… Mas sejamos delicados; não falemos dessas coisas.
(“Boa educação”, de Rubem Braga, com adaptações).