Cartas de amor
Eu era aluno do Júlio de Castilhos e estudava à tarde (as manhãs, naquela época, estavam reservadas
às turmas femininas). Um dia cheguei para a aula, coloquei meus livros na carteira e ali estava, bem no fundo,
um papel cuidadosamente dobrado. Era uma carta; dirigida não a mim, mas “ao colega da tarde”. E era uma
carta de amor. De amor não; de paixão. Paixão fogosa, incontida, transbordante, a carta de uma alma sequiosa
de afeto. À qual o jovem escritor não teve a menor dificuldade de responder.
Iniciou-se assim uma correspondência que se prolongou pelo ano letivo, não se interrompendo nem com
as provas, nem com as férias de julho. À medida que o ano ia chegando a seu fim, os arroubos epistolares iam
crescendo. Cheguei à conclusão de que precisava conhecer a minha misteriosa correspondente, aquela bela
da manhã que me encantava com suas frases.
Mas... Seria realmente bela? A julgar pela letra, sim; eu até a imaginava como uma moça esguia,
morena, de belos olhos verdes. Contudo, nem mesmo os grandes especialistas em grafologia estão imunes ao
erro, e um engano poderia ser trágico. Além disto, eu já tinha uma namorada que não escrevia, mas era
igualmente fogosa.
Optei, portanto, pelo mistério, pelo “nunca te vi, sempre te amei”. A minha história de amor continuou
somente na fantasia. Que é o melhor lugar para as grandes histórias de amor.
(SCLIAR, Moacyr. “Cartas de amor”. In: Minha mãe não entende nada. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 1996. p. 85-86.)