Ninguém discordará, em sã consciência, da necessidade
de o Brasil passar por mudanças significativas em sua
legislação penal, tendo em vista adquirir um melhor instrumental
jurídico para combater algumas das nossas mais notórias
chagas sociais contemporâneas, quais sejam, o desrespeito à
vida humana, a violência desenfreada − principalmente (não só)
nas grandes concentrações urbanas − e, sobretudo, a crônica
impunidade. No entanto, a justa pressão social pela diminuição
dos assombrosos índices de violência e criminalidade não pode
dar margem a um atabalhoado processo de mudança das leis
penais, que abrigue contradições, inconstitucionalidades e até
efeitos contrários ao que se pretende. O Congresso Nacional e
toda a sociedade brasileira precisam estar atentos a projetos de
lei que, em lugar de combater o crime, podem se tornar
inteiramente contraproducentes, chegando a estimulá-lo. (...)
É preciso entender que o grande problema não é a
ausência ou o defeito da lei, mas sim a sua não observância, a
falta de sua aplicação e, no caso específico das execuções
penais, a falta de rigor no cumprimento integral das penas que
já existem. Por outro lado, há distorções fundamentais de
entendimento que têm estimulado a criminalidade, como é o
caso dos menores delinqüentes, cuja utilização por quadrilhas
de adultos como "autores" dos crimes é cada vez maior. A
situação "de menor", com base na proteção estabelecida pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente, se transforma em
perfeito escudo da quadrilha, para fins de impunidade. A
experiência de outros países, que nos últimos anos têm obtido
êxito no combate à violência e à criminalidade, mostra que
muito mais importante do que criar uma nova lei é fazer cumprir,
com rigor, a já existente.
(O Estado de S. Paulo, A3, 05 de maio 2002)