Da incoerência de nossas ações
Não é de espantar, diz um autor antigo, que o acaso
tenha tanta força sobre nós, pois por causa dele é que
existimos. Quem não orientou sua vida, de um modo geral, em
determinado sentido, não pode tampouco dirigir suas ações.
Não tendo tido nunca uma linha de conduta, não lhe será
possível coordenar e ligar uns aos outros os atos de sua
existência. De que serve fazer provisões de tintas se não se
sabe que pintar? Ninguém determina do princípio ao fim o
caminho que pretende seguir na vida: só nos decidimos por
trechos, na medida em que vamos avançando. O arqueiro
precisa antes escolher o alvo; só então prepara o arco e a
flecha e executa os movimentos necessários; nossas
resoluções se perdem porque não temos um objetivo
predeterminado. O vento nunca é favorável a quem não tem um
porto de chegada previsto. (...)
Nossa maneira habitual de fazer as coisas está em
seguir os nossos impulsos instintivos para a direita ou para a
esquerda, para cima ou para baixo, segundo as circunstâncias.
Só pensamos no que queremos no próprio instante em que o
queremos, e mudamos de vontade como muda de cor o
camaleão. O que nos propomos em dado momento, mudamos
em seguida e voltamos atrás, e tudo não passa de oscilação e
inconstância. “Somos conduzidos como títeres que um fio
manobra”, afirmou Horácio. Não vamos, somos levados como
os objetos que flutuam, ora devagar, ora com violência,
segundo o vento.
(Montaigne, Ensaios)