Toda conversa sobre Graciliano Ramos esbarra no cineasta
Nelson Pereira dos Santos. E o inverso é mais do que
verdadeiro.
Tem sido assim desde 1963, quando Pereira levou ao
cinema um dos clássicos do autor, Vidas Secas (1938). Quebrou
na ocasião uma lei antiga: a de que livro bom rende filme
ruim.
Vinte anos depois, repetiu a façanha, novamente com
Ramos, ao adaptar o livro Memórias do Cárcere (1953). São os
filmes mais famosos de Pereira, e, assim como as obras que
lhes serviram de base, representam dois marcos da cultura brasileira
no século 20.
Além das transposições das duas obras de Graciliano para
o cinema, Pereira adaptou escritores como Nelson Rodrigues e
Guimarães Rosa. É o único cineasta a integrar a Academia
Brasileira de Letras.
Graciliano e Pereira tinham amigos em comum e frequentavam
os mesmos ambientes, mas nunca chegaram a se
falar. O cineasta viu o autor uma única vez, em 1952, num almoço
em homenagem a Jorge Amado, mas ficou tão encabulado
diante do ídolo que não teve coragem de puxar conversa.
O contato mais intenso ocorreu por meio de carta.
Pereira pretendia levar à tela o livro São Bernardo (1934), de
Graciliano. Queria autorização do autor para mudar o destino de
Madalena, que se mata no fim do romance. Nelson ficara encantado
com a personagem e imaginava um desfecho positivo
para ela. Mas Graciliano não gostou da ideia.
A relação artística começaria de fato uma década depois,
com o escritor já morto. "Queria fazer um filme sobre a seca.
Criei uma história original, mas era muito superficial. Então
me lembrei de Vidas Secas". Durante as filmagens, o mais difícil, diz, foi lidar com os bichos: papagaio, gado e, especialmente,
a cachorra que "interpretava" Baleia. A cena em que Baleia
morre é um dos momentos mais impressionantes da literatura e
do cinema nacional.
(Adaptado de: ALMEIDA, Marco Rodrigo. Folha de S.Paulo,
26/06/2013)