Um filme é uma criatura muito especial, muito específica, nascida das mesmas vontades antigas que levaram nossos antepassados a narrar uma caçada ao mamute nas paredes das cavernas. Num filme está um impulso ao mesmo tempo mais primitivo que o da leitura e mais tecnologicamente sofisticado que o do teatro. Como na leitura, queremos narrativas que alimentem a nossa imaginação − mas diferentemente do livro, onde mundos interiores, paisagens distantes, estados de espírito ou intenções ocultas podem ser descritos, deixando-a preencher o vácuo, o filme tem a obrigação de nos mostrar visualmente cada uma dessas coisas. Como no teatro, ele propõe a apreciação do movimento, da presença humana, da máscara do personagem − mas apenas com a intermediação da imagem captada. E assim, desse jeito tão peculiar, o cinema tem capturado nossa atenção, nossa imaginação e nosso tempo há mais de um século.
Nos primórdios do cinema não havia montagem porque não havia o que montar: encantadas com a novidade da imagem em movimento, as plateias do final do século XIX contentavam-se com uma tomada estática, que durava algo em torno de três minutos. A necessidade de aumentar a duração das sessões só podia ser resolvida com a adição de mais imagens, um problema que Edwin Porter resolveu com inventividade. Em pouco mais de seis minutos, Porter costura cenas de um dia na vida de um bombeiro, estabelecendo o conceito narrativo que iria dominar o cinema comercial ao longo das décadas seguintes: as imagens se sucedem, convidando o espectador a organizá-las como uma história linear, com começo meio e fim.
As normas que hoje regem o mercado da produção cinematográfica mundial não são exatas e rígidas, mas, basicamente, a filosofia principal é: um filme, mesmo “barato”, é caro; antes de investir a pequena fortuna necessária para que ele se torne realidade, há que se tentar ao máximo minimizar os riscos. E esse processo interessa de perto a nós, os espectadores, porque são as decisões tomadas durante essa tentativa que, em última análise, determinam a forma final que um filme terá, se ele será ousado ou conservador, cheio de estrelas ou repleto de desconhecidos, rodado em alguma ilha paradisíaca do Pacífico ou dentro de algum estúdio.
(Adaptado de: BAHIANA, Ana Maria. Como ver um filme. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012, formato e-book.)