Do ângulo da rua, vê-se uma gigantesca mobilização de quatro milhões de pessoas – na qual há jovens, velhos, crianças,
pobres, ricos, classe média – que se encontraram nas ruas de São Paulo, unidos por uma solidariedade na esperança que nada
tem a ver com uma montagem: para mobilizar essa multidão, foi preciso algo mais, algo muito diferente da vontade
manipulatória de alguns meios massivos. Foi preciso justamente aquilo que os gritos da multidão testemunham nesses dias:
“Tancredo não Morreu, Tancredo está no povo", “Tancredo, um dia haverá pão para todos, como você queria". Não foi um “país
medieval" o que saiu às ruas, não foi um país de fanáticos e curandeiros, mas aquele mesmo povo que poucos meses antes
enchia as mesmas ruas exigindo as “Diretas Já", um povo em redescoberta de sua cidadania, reinventando a sua identidade,
num espetáculo que fundia festa e política, fazendo política a partir da festa. E ganhava voz na presença corporal e no
movimento de uma multidão. Mas isso foi totalmente ignorado por uma imprensa que, erigindo-se em crítica da massa, não pôde
ver que continha e formava, que dava forma à massa.
(In: BARBERO, Jesús-Martín: Dos meios às mediações – Comunicação, Cultura e Hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2013 p. 322)
Na perspectiva das mediações culturais, eventos como a morte de Tancredo Neves são recebidos pela imprensa com uma
pretensa racionalidade científica, mas são ressignificados pelo popular e sua forma particular de construção de conhecimento,
sendo então reapropriados na comunicação massiva. No caso descrito, como um exemplo latino-americano, o resultado é uma
narrativa