Questões de Concurso Público SEDU-ES 2016 para Professor - Educação Física

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Q635932 Português

                                           Medo da eternidade

        Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

      Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

      Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

      − Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.

      − Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa.

      − Não acaba nunca, e pronto.

      Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta. 

      Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

      − E agora que é que eu faço? − perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.

      − Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

      Perder a eternidade? Nunca.

      O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

      − Acabou-se o docinho. E agora?

      − Agora mastigue para sempre.

      Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.

      Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

      Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

      − Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

      − Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

      Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.

      Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

                                           06 de junho de 1970

(LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo – crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.289-91)

As expressões reino de histórias de príncipes e fadas, elixir do longo prazer e milagre (7°parágrafo) são mobilizadas pela autora para

Alternativas
Q635934 Português

                                           Medo da eternidade

        Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

      Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

      Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

      − Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.

      − Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa.

      − Não acaba nunca, e pronto.

      Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta. 

      Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

      − E agora que é que eu faço? − perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.

      − Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

      Perder a eternidade? Nunca.

      O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

      − Acabou-se o docinho. E agora?

      − Agora mastigue para sempre.

      Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.

      Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

      Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

      − Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

      − Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

      Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.

      Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

                                           06 de junho de 1970

(LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo – crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.289-91)

Parei um instante na rua, perplexa. (5° parágrafo)

Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. (7°parágrafo)

E agora que é que eu faço? – perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver. (9° parágrafo)

As palavras grifadas nessas frases assumem no texto, respectivamente, o sentido de:

Alternativas
Q635935 Português

                                           Medo da eternidade

        Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

      Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

      Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

      − Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.

      − Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa.

      − Não acaba nunca, e pronto.

      Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta. 

      Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

      − E agora que é que eu faço? − perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.

      − Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

      Perder a eternidade? Nunca.

      O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

      − Acabou-se o docinho. E agora?

      − Agora mastigue para sempre.

      Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.

      Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

      Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

      − Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

      − Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

      Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.

      Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

                                           06 de junho de 1970

(LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo – crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.289-91)

E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários. (10° parágrafo)

No trecho acima, retirado de uma das falas da irmã da autora, o segmento grifado poderia ser substituído corretamente por:

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Q635937 Português

                                           Medo da eternidade

        Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

      Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

      Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

      − Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.

      − Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa.

      − Não acaba nunca, e pronto.

      Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta. 

      Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

      − E agora que é que eu faço? − perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.

      − Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

      Perder a eternidade? Nunca.

      O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

      − Acabou-se o docinho. E agora?

      − Agora mastigue para sempre.

      Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.

      Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

      Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

      − Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

      − Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

      Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.

      Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

                                           06 de junho de 1970

(LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo – crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.289-91)

Identifica-se relação de causa e consequência entre estes dois segmentos do texto:
Alternativas
Q635938 Português

                                           Medo da eternidade

        Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

      Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

      Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

      − Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.

      − Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa.

      − Não acaba nunca, e pronto.

      Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta. 

      Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

      − E agora que é que eu faço? − perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.

      − Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

      Perder a eternidade? Nunca.

      O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

      − Acabou-se o docinho. E agora?

      − Agora mastigue para sempre.

      Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.

      Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

      Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

      − Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

      − Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

      Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.

      Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

                                           06 de junho de 1970

(LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo – crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.289-91)

Um dos elementos mais importantes na organização do texto de Clarice Lispector é o advérbio de tempo, como o que se encontra grifado em:

I. Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade. (1°parágrafo)

II. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta. (7° parágrafo)

III. – E agora que é que eu faço? – perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver. (9° parágrafo)

IV. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar. (16° parágrafo)

Atende ao enunciado APENAS o que consta de

Alternativas
Q635939 Português

                                                             Medo da eternidade

     Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

   Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

    Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

   − Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.

   − Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa.

   − Não acaba nunca, e pronto.

   Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta.

   Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

   − E agora que é que eu faço? − perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.

   − Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

   Perder a eternidade? Nunca.

  O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

  − Acabou-se o docinho. E agora?

  − Agora mastigue para sempre.

  Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.

  Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

  Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

 − Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

 − Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

 Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.

 Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

06 de junho de 1970 (LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo – crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.289-91)

     

   Platão argumenta que o tempo (chrónos) “é a imagem móvel da eternidade (aión) movida segundo o número” (Timeu, 37d). Partindo do dualismo entre mundo inteligível e mundo sensível, Platão concebe o tempo como uma aparência mutável e perecível de uma essência imutável e imperecível – eternidade. Enquanto que o tempo (chrónos) é a esfera tangível móbil, a eternidade (aión) é a esfera intangível imóbil. Sendo uma ordem mensurável em movimento, o tempo está em permanente alteridade. O seu domínio é caracterizado pelo devir contínuo dos fenômenos em ininterrupta mudança.

      Posto que o tempo (chrónos) é uma imagem, ele não passa de uma imitação (mímesis) da eternidade (aión). Ou seja, o tempo é uma cópia imperfeita de um modelo perfeito – eternidade. Isso significa que o tempo é uma mera sombra da eternidade. Considerando que somente a região imaterial das formas puras existe em si e por si, podemos dizer que o tempo platônico é uma ilusãoEle é real apenas na medida em que participa do ser da eternidade.


(DIVINO, Rafael. Sobre O tempo em Platão e Aristóteles, de R. Brague. Disponível em: https://serurbano.wordpress.com/ 2010/02/26/ tempo-em-platao/. Acessado em: 28.12.2015)

Para responder a esta questão, considere também o texto anterior, Medo da eternidade.

O confronto entre os dois textos permite concluir corretamente:

Alternativas
Q635940 Português

                                                             Medo da eternidade

     Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

   Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

    Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

   − Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.

   − Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa.

   − Não acaba nunca, e pronto.

   Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta.

   Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

   − E agora que é que eu faço? − perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.

   − Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

   Perder a eternidade? Nunca.

  O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

  − Acabou-se o docinho. E agora?

  − Agora mastigue para sempre.

  Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.

  Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

  Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

 − Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

 − Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

 Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.

 Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

06 de junho de 1970 (LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo – crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.289-91)

     

   Platão argumenta que o tempo (chrónos) “é a imagem móvel da eternidade (aión) movida segundo o número” (Timeu, 37d). Partindo do dualismo entre mundo inteligível e mundo sensível, Platão concebe o tempo como uma aparência mutável e perecível de uma essência imutável e imperecível – eternidade. Enquanto que o tempo (chrónos) é a esfera tangível móbil, a eternidade (aión) é a esfera intangível imóbil. Sendo uma ordem mensurável em movimento, o tempo está em permanente alteridade. O seu domínio é caracterizado pelo devir contínuo dos fenômenos em ininterrupta mudança.

      Posto que o tempo (chrónos) é uma imagem, ele não passa de uma imitação (mímesis) da eternidade (aión). Ou seja, o tempo é uma cópia imperfeita de um modelo perfeito – eternidade. Isso significa que o tempo é uma mera sombra da eternidade. Considerando que somente a região imaterial das formas puras existe em si e por si, podemos dizer que o tempo platônico é uma ilusãoEle é real apenas na medida em que participa do ser da eternidade.


(DIVINO, Rafael. Sobre O tempo em Platão e Aristóteles, de R. Brague. Disponível em: https://serurbano.wordpress.com/ 2010/02/26/ tempo-em-platao/. Acessado em: 28.12.2015)

De acordo com o texto,
Alternativas
Q635941 Português

                                                             Medo da eternidade

     Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

   Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

    Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

   − Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.

   − Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa.

   − Não acaba nunca, e pronto.

   Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta.

   Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

   − E agora que é que eu faço? − perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.

   − Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

   Perder a eternidade? Nunca.

  O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

  − Acabou-se o docinho. E agora?

  − Agora mastigue para sempre.

  Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito.

  Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

  Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

 − Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

 − Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

 Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso.

 Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

06 de junho de 1970 (LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo – crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.289-91)

     

   Platão argumenta que o tempo (chrónos) “é a imagem móvel da eternidade (aión) movida segundo o número” (Timeu, 37d). Partindo do dualismo entre mundo inteligível e mundo sensível, Platão concebe o tempo como uma aparência mutável e perecível de uma essência imutável e imperecível – eternidade. Enquanto que o tempo (chrónos) é a esfera tangível móbil, a eternidade (aión) é a esfera intangível imóbil. Sendo uma ordem mensurável em movimento, o tempo está em permanente alteridade. O seu domínio é caracterizado pelo devir contínuo dos fenômenos em ininterrupta mudança.

      Posto que o tempo (chrónos) é uma imagem, ele não passa de uma imitação (mímesis) da eternidade (aión). Ou seja, o tempo é uma cópia imperfeita de um modelo perfeito – eternidade. Isso significa que o tempo é uma mera sombra da eternidade. Considerando que somente a região imaterial das formas puras existe em si e por si, podemos dizer que o tempo platônico é uma ilusãoEle é real apenas na medida em que participa do ser da eternidade.


(DIVINO, Rafael. Sobre O tempo em Platão e Aristóteles, de R. Brague. Disponível em: https://serurbano.wordpress.com/ 2010/02/26/ tempo-em-platao/. Acessado em: 28.12.2015)

Considerado o contexto, o segmento adequadamente expresso em outras palavras está em:
Alternativas
Q747822 Português

Medo da eternidade

    Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade. 
    Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas. 
    Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou: 
    − Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira. 
    − Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa. 
    − Não acaba nunca, e pronto. 
    Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta. 
    Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca. 
    − E agora que é que eu faço? − perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver. 
    − Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários. 
    Perder a eternidade? Nunca. 
    O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola. 
    − Acabou-se o docinho. E agora? 
    − Agora mastigue para sempre. 
    Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito. 
    Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar. 
    Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia. 
    − Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou! 
    − Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá. 
    Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso. Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

06 de junho de 1970

(LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo – crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.289-91)

Ainda que se saiba da liberdade com que Clarice Lispector lidava com esse gênero, pode-se assegurar que Medo da eternidade é uma crônica na medida em que se trata
Alternativas
Q747825 Português

Medo da eternidade

    Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade. 
    Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas. 
    Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou: 
    − Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira. 
    − Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa. 
    − Não acaba nunca, e pronto. 
    Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta. 
    Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca. 
    − E agora que é que eu faço? − perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver. 
    − Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários. 
    Perder a eternidade? Nunca. 
    O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola. 
    − Acabou-se o docinho. E agora? 
    − Agora mastigue para sempre. 
    Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da ideia de eternidade ou de infinito. 
    Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar. 
    Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia. 
    − Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou! 
    − Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá. 
    Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra da boca por acaso. Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.

06 de junho de 1970

(LISPECTOR, Clarice. A descoberta do mundo – crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.289-91)

Atente para as afirmações abaixo.

I. Em Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade (1º parágrafo), os adjetivos empregados para qualificar esse contato visam estabelecer um contraste com os acontecimentos que serão efetivamente narrados, deixando entrever a sugestão da autora de que esses fatos, aparentemente importantes, seriam na verdade banais e corriqueiros. II. Em Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita (15º parágrafo), a repetição do verbo “mastigar”, cujo início ecoa ainda na conjunção Mas que inicia a frase seguinte, busca sugerir no campo da própria expressão o que havia de repetitivo nessa atividade e o aborrecimento que já advinha do mascar da goma insossa. III. Em – Olha só o que me aconteceu! – disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou! (18º parágrafo), o reiterado emprego do sinal de exclamação sugere o exagero próprio do fingimento.

Está correto o que se afirma APENAS em

Alternativas
Respostas
1: A
2: A
3: C
4: B
5: D
6: E
7: C
8: D
9: B
10: E