Ai de ti, Ipanema
Há muitos anos, Rubem Braga começava assim uma de suas mais famosas crônicas: “Ai de ti, Copacabana, porque eu já fiz o
sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas.” Era uma
exortação bíblica, apocalíptica, profética, ainda que irônica e hiperbólica. “Então quem especulará sobre o metro quadrado de teu
terreno? Pois na verdade não haverá terreno algum.”
Na sua condenação, o Velho Braga antevia os sinais da degradação e da dissolução moral de um bairro prestes a ser tragado
pelo pecado e afogado pelo oceano, sucumbindo em meio às abjeções e ao vício: “E os escuros peixes nadarão nas tuas ruas e a
vasa fétida das marés cobrirá tua face”.
A praia já chamada de “princesinha do mar”, coitada, inofensiva e pura, era então, como Ipanema seria depois, a síntese mítica
do hedonismo carioca, mais do que uma metáfora, uma metonímia.
No fim dos anos 50, Copacabana era o éden não contaminado ainda pelos plenos pecados, eram tempos idílicos e pastorais, a
era da inocência, da bossa nova, dos anos dourados de JK, de Garrincha. Digo eu agora: Ai de ti, Ipanema, que perdeste a inocência
e o sossego, e tomaste o lugar de Copacabana, e não percebeste os sinais que não são mais simbólicos: o emissário submarino se
rompendo, as águas poluídas, as valas negras, as agressões, os assaltos, o medo e a morte.
(Adaptado de: VENTURA, Zuenir. Crônicas de um fim de século. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999, p. 166/167)