De loucura meu pai entendia, assim diziam, porque ele mesmo já havia caído louco num período
remoto de sua vida. Os curadores serviam para restituir a saúde do corpo e do espírito dos doentes, era o que
sabíamos desde o nascimento. O que mais chegava à nossa porta eram as moléstias do espírito dividido, gente
esquecida de suas histórias, memórias, apartada do próprio eu, sem se distinguir de uma fera perdida na
mata. Diziam que talvez fosse por conta do passado minerador do povo que chegou à região, ensandecido
pela sorte de encontrar um diamante, de percorrer seu brilho na noite, deixando um monte para adentrar
noutro, deixando a terra para entrar no rio. Gente que perseguia a fortuna, que dormia e acordava desejando a
ventura, mas que se frustrava depois de tempos prolongados de trabalho fatigante, quebrando rochas,
lavando cascalho, sem que o brilho da pedra pudesse tocar de forma ínfima o seu horizonte. Quantos dos que
encontravam a pedra estavam libertos dos delírios? Quantos tinham que proteger seu bambúrrio da cobiça
alheia, passando dias sem dormir, com os diamantes debaixo do corpo, sem se banhar nas águas dos rios,
atentos a qualquer gesto de trapaça que poderia vir de onde menos se esperava?
(VIEIRA Jr., Itamar. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2019. Edição eletrônica)