A ciência compartilhada na rede
O padrão ouro da avaliação dos artigos científicos até
a década passada era a citação. Quando olhamos para
as citações que um artigo recebeu, estamos considerando um grupo relativamente limitado de pessoas
que o usaram: aquele grupo que se interessou, leu e
utilizou aquele texto para construir e publicar o seu
próprio trabalho. Mas a citação não é o único uso que
um artigo científico pode ter. Profissionais, pacientes,
gestores, ativistas, amadores, wikipedistas, curiosos,
muita gente pode se interessar pela literatura científica, pelos mais diversos motivos. Hoje, nas redes
sociais, encontramos traços desses interesses por artigos científicos e pela ciência. O biólogo compartilha
seu artigo novo no Facebook. A astrônoma explica
sua pesquisa em um vídeo no YouTube. A doutoranda
cria seu caderno de pesquisa em formato de blogue.
O observador de pássaros publica uma série de fotos
no Instagram para identificar uma possível espécie
nova. A cientista social escreve uma sequência no
Twitter mostrando com o que a pesquisa acadêmica
pode contribuir para a sociedade. São atos que não
necessariamente geram citações, mas mostram que a
utilidade da ciência não se resume ao que é publicado
formalmente em periódicos consagrados. E observar
a repercussão do que foi publicado nesses ambientes
digitais é cada dia mais viável por conta dos identificadores persistentes de documentos. Alguns dos identificadores mais conhecidos são o DOI (Digital Object
Identifier), o PMID (usado na PubMed) e o sistema
Handle, entre outros.
As métricas da disseminação de trabalhos científicos
nas redes sociais, que chamamos altmetrias, vão
aos poucos se incorporando ao nosso cotidiano. Em
alguns periódicos e repositórios, encontramos junto
aos dados de download informações sobre quantas
vezes o arquivo foi compartilhado. Mas quais seriam
essas medidas? Pode-se dizer que hoje usamos alguns
tipos de métricas alternativas, e que, a partir delas,
podemos fazer diferentes estudos. Podemos lançar o
olhar para a disseminação dos conteúdos em tuítes
e posts de divulgação, ver a interação dos usuários
a partir desses posts, os downloads dos artigos e
sua incorporação em gestores de referência como o
Mendeley e a geração de conteúdo a partir do uso
dos artigos em documentos como blogues, sites e
Wikipedia. Podemos avaliar quantitativamente as
diferentes reações (no caso do Facebook), redes de
relações e compartilhamentos dos usuários, ler os
comentários e respostas, enfim, ver todo esse processo que vai da divulgação científica ao diálogo entre
pares, em um olhar sobre a ciência e sua disseminação
e comunicação.
Há que se considerar que as altmetrias estão sujeitas
a formas de uso equivocadas, ou mesmo fraudulentas. Porém, observamos hoje uma crescente reflexão
para se buscar um uso adequado de todas as métricas.
Precisamos fugir de números mágicos que prometem
resumir em um único indicador todo o valor de uma
pesquisa. É muito importante que os processos de
avaliação sejam focados em uma multiplicidade de
formas de se medir resultados, e que esses resultados
sejam devidamente contextualizados. Mas, principalmente, o importante é identificar se a ciência que está
sendo produzida é de qualidade teórico-metodológica para além da repercussão por si só. Ciência se produz construindo caminhos, com sucessos e insucessos,
não é uma sequência de acertos contada em uma
saga do herói. Pode ser que as altmetrias passem por
um período mais ‘violento’ de interação com a ciência, com erros e acertos na sua exploração. Mas, com
o tempo, cremos que o monitoramento necessário
das repercussões nas mídias sociais trará mais pontos
positivos que negativos.
GOUVEIA, F. C.; SOUZA, I. V. P. de. Disponível em: <https://cienciahoje.org.br/artigo/a-ciencia-compartilhada-na-rede/>. Acesso: 03/set/2018. [Adaptado]