Uma indignação, uma raiva cheia de desprezo crescia
dentro do peito de Vicente Lemes à proporção que
ia lendo os autos. Um homem rico como Clemente
Chapadense e sua mulher apresentando a inventário
tão-somente a casinha do povoado! Veja se tinha cabimento! E as duzentas e tantas cabeças de gado, gente?
E os dois sítios do município onde ficaram, onde ficaram? Ora bolas! Todo mundo sabia da existência desses trens que estavam sendo ocultados.
Ainda se fossem bens de pequeno valor, vá lá, que
inventário nunca arrola tudo. Tem muita coisa que
fica por fora. Mas naquele caso, não. Eram dois sítios,
duzentas e tantas reses, cuja existência andava no
conhecimento dos habitantes da região. A vila inteira,
embora ninguém nada dissesse claramente, estava de
olhos abertos assuntando se tais bens entrariam ou
não no inventário.
Lugar pequeno, ah, lugar pequeno, em que cada um
vive vigiando o outro!
Pela segunda vez Vicente Lemes lavrou seu despacho,
exigindo que o inventariante completasse o rol de
bens, sob pena de a Coletoria Estadual o fazer.
Aí, como quem tira um peso da consciência, levantou-se do tamborete e chegou à janela que dava para
o largo, lançando uma olhadela para a casa onde
funcionava o Cartório. Calma, a vila constituída pelo
conjunto de casas do Largo.