Texto
Alternativa
Envelhecer é chato, mas consolemo‐nos: a alternativa é pior.
Ninguém que eu conheça morreu e voltou para contar como é
estar morto, mas o consenso geral é que existir é muito melhor
do que não existir. Há dúvidas, claro. Muitos acreditam que com
a morte se vai desta vida para outra melhor, inclusive mais
barata, além de eterna. Só descobriremos quando chegarmos lá.
Enquanto isso vamos envelhecendo com a dignidade possível,
sem nenhuma vontade de experimentar a alternativa.
Mas há casos em que a alternativa para as coisas como estão
é conhecida. Já passamos pela alternativa e sabemos muito bem
como ela é. Por exemplo: a alternativa de um país sem políticos,
ou com políticos cerceados por um poder mais alto e armado.
Tivemos vinte anos desta alternativa e quem tem saudade dela
precisa ser constantemente lembrado de como foi. Não havia
corrupção? Havia, sim, não havia era investigação pra valer. Havia
prepotência, havia censura à imprensa, havia a Presidência
passando de general para general sem consulta popular,
repressão criminosa à divergência, uma política econômica
subserviente a um “milagre” econômico enganador. Quem viveu
naquele tempo lembra que as ordens do dia nos quartéis eram
lidas e divulgadas como éditos papais para orientar os fiéis sobre
o “pensamento militar”, que decidia nossas vidas.
Ao contrário da morte, de uma ditadura se volta,
preferencialmente com uma lição aprendida. E, para garantir‐se
que a alternativa não se repita, é preciso cuidar para não
desmoralizar demais a política e os políticos, que seja. Melhor
uma democracia imperfeita do que uma ordem falsa, mas
incontestável. Da próxima vez que desesperar dos nossos
políticos, portanto, e que alguma notícia de Brasília lhe enojar, ou
você concluir que o país estaria melhor sem esses dirigentes e
representantes que só representam seus interesses, e seus
bolsos, respire fundo e pense na alternativa.
Sequer pensar que a alternativa seria preferível – como tem
gente pensando – equivale a um suicídio cívico. Para mudar isso
aí, prefira a vida – e o voto.
(Adaptado. Veríssimo, O Globo, 30/6/2013)