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Menos mortes e engarrafamentos: movimento quer reduzir a
velocidade nas cidades brasileiras (adaptado)
Por Marcela Donini e Tiago Medina
Mais que uma mudança de cidade e país, a vida da fonoaudióloga
Paula Dallegrave Priori mudou de estilo a partir de 2021.
Acompanhada do marido e da filha, então com menos de 3 anos,
ela trocou Porto Alegre por Barcelona. O carro da família, tão
necessário para deslocamentos na capital gaúcha, ficou do lado
de cá do oceano. Se antes era um elemento presente no
cotidiano, tornou-se anacrônico na nova cidade.
“A percepção do trânsito em relação a Porto Alegre é bem clara:
aqui é muito melhor. Não percebemos o ambiente tóxico que é o
trânsito aí”, compara ela, usuária frequente do metrô, além de
pedestre habitual. Aliás, caminhar na rua com a filha é, agora,
mais tranquilo. “Os carros não andam em alta velocidade,
respeitam o pedestre, faixa de trânsito, usam a seta, enfim tu
consegues prever o que vai acontecer.”
Tendência em cidades que são exemplo em mobilidade ativa, a
redução de velocidade foi decretada pelo governo espanhol em
maio de 2021. Desde então, os limites na maioria das vias
urbanas de todas as cidades espanholas são de até 30 km/h [...].
Um movimento no Brasil quer entrar nessa onda e readequar os
limites nas vias das cidades de todo o país. A União de Ciclistas do
Brasil (UCB), em parceria com outras entidades como a Fundação
Thiago Gonzaga, propõe uma alteração no Código de Trânsito
Brasileiro que fixaria em 60km/h o máximo permitido nas vias de
trânsito rápido e 50km/h nas vias arteriais. [...] O máximo para
vias coletoras e locais permaneceria em 40km/h e 30 km/h.
[...]
O documento publicado pela entidade apoia-se ainda em
experiências brasileiras e estrangeiras nas quais a redução das
velocidades levou a maior segurança no trânsito. São Paulo, por
exemplo, fez alterações significativas nesse sentido desde 2011.
Em 2015, foram reduzidos os limites em duas das principais vias
expressas, as marginais Tietê e Pinheiros [...]. O sucesso da
operação, destaca o relatório da UCB, foi verificado no ano
seguinte, quando a cidade registrou uma queda de 52% no
número de mortes nas duas marginais.
Outras experiências dentro e fora do Brasil comprovam a relação
entre velocidades menores e menos mortes, mas ainda falta
comunicar efetivamente esses dados à população. Uma pesquisa
de opinião encomendada pela UCB a uma empresa terceirizada
revelou que 82% dos entrevistados conhecem alguém que
morreu no trânsito, e 9 em cada 10 consideram alto o número de
mortes nas vias brasileiras. Quando a questão são limites de
velocidade mais baixos, metade concorda que isso evitaria mais
óbitos, mas 8 em cada 9 deixaram de citar a redução dos limites
como fator importante para essa queda.
[...] “As pessoas sempre pensam que vão ter perda se forem mais
devagar. Ao contrário, o trânsito flui melhor”, diz, citando o
exemplo da ponte Rio-Niterói, onde o limite passou de 110km/h
para 80km/h e houve melhoria na fluidez. “Por isso, estamos
deixando de falar em redução, e usando o termo readequação de
velocidades”, explica.
Ana Luiza Carboni, coordenadora do projeto Vias Seguras,
destaca uma ilustração didática aprendida com a engenheira de
transportes e professora da Universidade Federal de Alagoas
Jessica Lima. “Pense em uma torneira aberta, com ralo pequeno.
Se você abrir toda a torneira, a água vai acumular. Se abrir
menos, ela vai escoar, vai passar mais lentamente, mas
constantemente”, exemplifica. “É preciso mudar a visão de que ‘a
velocidade vai fazer eu chegar primeiro’. Já está provado que a
redução da velocidade máxima não tem impacto na velocidade
média. As cidades são feitas de gargalos. Acelerar significa apenas
que você vai chegar mais rápido num gargalo”, completa.
[...]
Status do carro
Em cidades planejadas para o carro, não à toa a população mais
vulnerável no trânsito são pedestres, ciclistas e motociclistas – e
dentro desse grupo, as vítimas mais comuns são pessoas negras,
destaca Carboni.
Para a engenheira civil e gerente de mobilidade ativa do WRI,
Paula Manoela dos Santos, a questão geracional é chave na
mudança de visão que ainda precisa ser feita para o carro deixar
de ser visto como o elemento central na mobilidade. “Ainda
habita em nós uma questão de status do carro. A bicicleta é vista
como veículo só no Código de Trânsito Brasileiro. Para as pessoas,
nem sempre. Diria que até é um pouco marginalizada, como
considerar que quem anda de bicicleta não teve sucesso”, diz.
Carboni sabe bem do que Santos está falando. A ativista, que não
tem carro há oito anos, costuma contar a história de suas idas ao
mercado: “Na hora de pagar, sempre perguntam se tenho o
ticket do estacionamento, e eu respondo que não tenho carro.
Até que um dia uma caixa falou ‘Deus há de prover um pra
você'”.
Apesar de o caminho até um trânsito mais seguro ser longo, os
especialistas ouvidos pelo Matinal são otimistas. Bohn lembra
que já se avançou muito: “Hoje não é mais aceitável beber e
dirigir como era 20 anos atrás”. A engenheira da WRI faz questão
de ressaltar que as novas gerações têm outro entendimento,
especialmente em relação ao carro.
Paula que o diga. A porto-alegrense cuja história abre a
reportagem tem convicção de que o novo estilo de vida irá mudar
a perspectiva da filha, de 4 anos, sobre mobilidade. “Hoje, ela
está muito mais acostumada a ver as pessoas fazendo as coisas
de bicicleta. Os ciclistas enfrentam dia de chuva, de frio. Isso é
normal”, diz. Além do automóvel, também ficou para trás o
hábito de entregar o celular na mão da pequena para driblar a
impaciência dos momentos de trânsito parado.
Disponível em: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/reportagemmatinal/reduzir-velocidade-nas-cidades-brasileiras/