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FALE COM ESTRANHOS
Duda Monteiro de Barros
No mundo menor e mais falante de antigamente, puxar conversa com estranhos era praticamente uma obrigação e passar uma corrida de táxi inteira sem
dirigir uma palavra ao motorista pregava no passageiro a pecha de mal-educado.
Aos poucos, no entanto, o desconhecido foi ficando distante, desinteressante e até
ameaçador, situação expressa na rima “stranger danger” (estranhos representam
perigo), inculcada na cabeça das crianças nos Estados Unidos através de livros,
filmes e conselhos de pais e professores. O normal agora é o silêncio imperar,
estimulado pelo atrativo da tela do smartphone, nas filas, nos elevadores, nas salas de espera e no transporte público, um comportamento que o enclausuramento
das pessoas durante a pandemia contribuiu para enraizar, ao encolher as habilidades sociais.
Hoje em dia, travar contato com alguém fora do círculo de amizades e do
ambiente de trabalho é uma aventura que poucos estão dispostos a enfrentar –
isso não é bom. “Conversar com desconhecidos pode ensinar coisas novas, fazer
de você um cidadão melhor, um pensador melhor e uma pessoa melhor”, ensina o jornalista americano Joe Keohane, autor de “O Poder dos Estranhos”, uma ampla
pesquisa sobre “os benefícios de se conectar em um mundo desconfiado”.
Segundo Keohane, criar vínculos, ainda que passageiros, com desconhecidos faz o indivíduo furar a bolha de convívio usual e deparar com ideias e realidades distintas das que está acostumado. A designer carioca Júlia Sampaio, 34
anos, confessa que nunca foi do tipo que puxa assunto na fila do banco, mas
aprendeu, aos poucos, que conversar com anônimos pode facilitar a vida e tornar
situações muito mais prazerosas. “Adoro viajar sozinha e descobri que travar amizade com outras pessoas dá um upgrade na experiência. Fiz amigos que mantenho até hoje e sempre tento me aproximar de quem vejo que também está só”, diz
Júlia. “O contato com o diferente sempre foi primordial para o desenvolvimento das
culturas e sociedades. Quando você dialoga com o outro, torna-se mais empático
e tolerante”, confirma o antropólogo Bernardo Conde, professor da PUC-Rio.
Essas conexões casuais, chamadas de “laços fracos”, têm a capacidade
de diminuir o sentimento de solidão e melhorar o humor tanto de quem aborda
quanto de quem é abordado. Isso porque neurotransmissores com funções ligadas
à sensação de liberdade, como dopamina, serotonina e ocitocina, são liberados
quando o ser humano se relaciona socialmente. “A porção frontal do nosso cérebro
só foi capaz de evoluir por causa das interações interpessoais”, explica a neurocientista Cláudia Feitosa Santana.
Além de agradáveis, os papos com estranhos podem ser úteis. O comissário de bordo baiano Mário Lourenço, 23 anos, lembra com nostalgia do dia em
que se envolveu em um papo com um concorrente na fila de uma entrevista de
emprego internacional e trocaram contatos. O outro candidato foi aprovado e Lourenço não, mas não deixaram de se comunicar. “No ano seguinte, fui selecionado
pela mesma empresa e me mudei para Dubai, onde o colega estava morando. Ele
foi me receber e me mostrou a cidade. Teria me sentido perdido e sozinho sem
isso”, afirma Lourenço.
Não se trata de forçar conversa e invadir o espaço alheio – é indispensável
que o outro se mostre aberto ao contato. Uma dica para entabular uma interação
do tipo que começa e acaba na espera para embarcar no avião é iniciar com assuntos triviais e a partir daí buscar interesses em comum. Boa notícia: a reação
mais comum é a reciprocidade, como mostra um experimento realizado pelos cientistas comportamentais Nicholas Epley e Juliana Schroeder, da Universidade de
Chicago. Eles reuniram um grupo de pessoas e pediram que elas quebrassem a
norma social do silêncio em ônibus e salas de espera. Os participantes foram a campo com certo receio de ser rejeitados, mas o resultado foi o exato oposto: a
maioria constatou que os estranhos foram receptivos, curiosos e agradáveis. A
conclusão dos especialistas foi que existe um “profundo mal-entendido nas relações sociais”. Desfazê-lo passa por respirar fundo, abrir um sorriso e fazer um
comentário agradável para a pessoa sentada ao lado no metrô. Se ela responder,
a viagem provavelmente vai passar mais rápido. Estranhos, afinal, não são sinônimos de perigo.
Disponível em: https://veja.abril.com.br/comportamento/por-que-conversar-com-estranhos-pode-melhorar-o-bem-estar/ Acesso em: 16 fev. 2023 (Adaptado)